Início Colunistas Gestão Empresarial Sem Tédio As regras que todo mundo segue, mas que ninguém escreveu

As regras que todo mundo segue, mas que ninguém escreveu

Nos textos anteriores falamos sobre produtividade e o famoso “jeitinho corporativo”. Hoje, vamos subir um degrau nessa conversa.

Porque tem algo ainda mais perigoso do que o jeitinho: são as regras invisíveis, aquelas que ninguém assumiu, ninguém escreveu, mas todo mundo segue.

E é aí que a cultura da empresa começa, de fato, a ser decidida.
Não pelo que está no manual, mas pelo que “o pessoal já sabe como é”.

O estatuto secreto da empresa

Toda empresa tem dois conjuntos de regras:

  • As oficiais: aquelas do contrato, do regimento, do “manual do colaborador”.

  • E as invisíveis: aquelas que o time aprende, cochichando, nos corredores.

Você provavelmente já viu algumas dessas por aí:

  • “Cliente X sempre passa na frente.”

  • “Esse tipo de problema o fulano resolve direto no WhatsApp, nem abre chamado, é besteira”

  • “Reunião com o diretor, só de manhã, é que de tarde ele não gosta.”

  • “Se o pedido vier do setor tal, a gente dá um jeitinho de encaixar.”

  • “Esse relatório a gente faz ‘por fora’, porque no sistema é muito burocrático.

  • “Vou deixar para limpar a pia só quando faltar 10 minutos para finalizar o expediente.’’ 

Nada disso está escrito. Mas tudo isso manda no dia a dia, claro que o pessoal faz de conta que não sabe, mas sabe

É como se existisse um estatuto oriundo das sombras da empresa. 

Parece um mito né? E o mais engraçado é que, se você perguntar, o colaborador mais antigo do seu setor sempre vai te contar em off: Eu estava lá, vi tudo acontecer. 

Na maioria das vezes, é esse estatuto paralelo que define, de verdade, como as coisas funcionam.

Como as “regrinhas” vão moldando a empresa sem ninguém perceber

Essas políticas invisíveis não nascem do mal.
Geralmente, elas nascem de boa intenção + pressa + preguiça?

  • alguém quis ajudar um cliente importante;

  • alguém quis evitar conflito;

  • alguém criou um “atalho” para driblar um sistema ruim.

  • alguém teve preguiça (barbaridade…) e empurrou com a barriga.

Só que o atalho que era exceção vai virando norma.

Hoje é:

“Atende o cliente X primeiro, que ele é especial.”

Amanhã vira:

“Todo cliente grita pra ser especial.”

E de pouco em pouco, a empresa que tinha processos começa a ser guiada por recados de WhatsApp, bilhetes soltos e “jeitos de fazer” que ninguém assume em voz alta.

O que acontece?

  • O novo colaborador não aprende com o manual — aprende perguntando “como é que a gente faz de verdade?”.

  • O “jeito certo” passa a ser o que o time faz no dia a dia, não o que está no papel.

  • A energia que poderia ir para melhoria de processos, vai para manutenção dos atalhos.

Os riscos do “todo mundo sabe”

A frase mais perigosa de uma empresa é:

“Ah, isso todo mundo já sabe como funciona…”

Porque, na prática, ninguém sabe.

E aí começam os riscos:

  • Injustiça interna
    Alguns clientes “furam fila”, alguns setores são sempre atendidos primeiro, algumas pessoas têm acesso direto ao dono… e outras não.
    Resultado: clima de favoritismo, ressentimento e sensação de “dois pesos, duas medidas”.

  • Confusão generalizada
    Cada um acha uma coisa sobre o que pode, não pode, o que é prioridade ou não. O gestor fala uma coisa na reunião, mas o “modo real” de fazer é outro.

  • Dependência de pessoas específicas
    Sempre tem a pessoa que “desenrola” no zap, a que sabe quem falar com quem, a que conhece todos os atalhos. Se ela sai, entra de férias ou fica doente… a empresa trava.

  • Processos que existem só de fachada
    O fluxo oficial diz uma coisa, mas ninguém segue.
    O sistema está lá, mas os dados “de verdade” estão numa planilha paralela.

  • Desalinhamento entre discurso e prática
    No site, a empresa fala em “meritocracia, transparência, respeito ao cliente”.
    No corredor, a política é: “cliente bom é o que não reclama” e “promoção é pra quem o chefe gosta”.

No fim, as políticas invisíveis vão comendo pelas beiradas a estratégia, a cultura e a confiança.

Como trazer essas regras pra luz

A boa notícia:
Política invisível não é maldição.
Ela pode ser vista, discutida e ajustada.

Alguns caminhos práticos:

Dica 01 – Pergunte: “Aqui dentro, como é que funciona de verdade?”

Em vez de partir só do manual, pergunte pro time:

  • “Quando um cliente reclama, qual é o caminho real que vocês usam?”

  • “Quando a demanda vem do setor X, o que muda?”

  • “Tem algum cliente que ‘sempre passa na frente’?”

Sem julgamento, sem bronca. Sem retaliação. A ideia é mapear o que já está acontecendo.

Dica 02 – Faça conversas sinceras com o time

Pode ser em roda, pode ser em reuniões menores, pode ser em entrevistas individuais.

O objetivo:

  • levantar os “combinados implícitos”;

  • entender por que eles surgiram (proteger cliente, poupar tempo, fugir de burocracia).

Muitas dessas regras nasceram pra resolver problemas legítimos.
O erro não foi tentar resolver — foi deixar invisível.

Dica 03 – Decida o que vira procedimento oficial (e o que precisa acabar)

Depois de enxergar as políticas invisíveis, vem a parte estratégica:

  • Quais práticas fazem sentido e deveriam virar padrão oficial?
    (por exemplo, um tipo de atendimento diferenciado para casos críticos, mas com critérios claros)

  • Quais práticas estão criando injustiça ou bagunça e precisam ser cortadas?
    (por exemplo, “cliente que grita mais é atendido primeiro”)

Aqui é o momento de alinhar:

“Daqui pra frente, o jeito certo de fazer é este aqui.”

Dica 04 – Registre o mínimo viável

Não precisa escrever um tratado.

Mas precisa ter:

  • checklists simples (“como priorizar chamados”, “como tratar clientes VIP”, “como escalonar problemas”);

  • critérios claros (“entra como urgência quando…”, “vira prioridade quando…”).

O segredo não é encher a empresa de papel, é tirar da cabeça e colocar em algum lugar que todo mundo possa ver.

Dica 05 – Reveja periodicamente

Empresa viva muda.

Por isso, de tempos em tempos, pergunte de novo:

  • “Que novos atalhos surgiram?”

  • “Tem alguma regra informal que já está atrapalhando?”

 

Melhoria contínua também é isso, ajustar as regras invisíveis para que elas joguem a favor, não contra.

 

No fim das contas…

Toda empresa tem suas “leis não escritas”.
O problema não é elas existirem.
O problema é quando elas mandam mais do que a estratégia, o processo e o bom senso.

Quando isso acontece, o negócio passa a ser guiado por cochichos de corredor, favores e jeitinhos e não por decisões conscientes.

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