Depois de 23 anos no Banco Central (BC), Carlos Eduardo Brandt, líder da equipe responsável pela criação do Pix, deixou a instituição e também o Brasil. Há três meses, ele trocou Brasília por Washington, onde assumiu uma posição técnica no Fundo Monetário Internacional (FMI).
A saída chamou atenção. Brandt construiu sua carreira na autarquia — tradição familiar, já que pai e avô também foram servidores do BC — e se tornou uma referência global ao conduzir o desenvolvimento do sistema de pagamentos instantâneos brasileiro.
Pix: um modelo que virou padrão mundial
Lançado em 2020, o Pix rapidamente se tornou um fenômeno. Em 2021, Brandt entrou na lista da Bloomberg das 50 pessoas mais influentes do mundo dos negócios, logo após o sistema dobrar sua base de usuários.
Hoje, o Pix tem:
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161,7 milhões de usuários pessoas físicas
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16,3 milhões de pessoas jurídicas
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R$ 85 trilhões movimentados em cinco anos, segundo estudo da Ebanx
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uso por 93% dos adultos brasileiros
A projeção é de 7,9 bilhões de transações por mês ainda em 2025, movimentando R$ 35,3 trilhões no ano.
Esses números, que transformaram o Brasil em referência internacional, despertaram o interesse do FMI, que convidou Brandt para integrar sua área de pagamentos e infraestrutura de mercados — convite que o levou a deixar o BC.
O que levou o criador do Pix ao FMI
Em entrevista à BBC News Brasil, Brandt afirma que aceitou a proposta porque poderia contribuir “em escala global”.
O novo trabalho envolve a busca de soluções para pagamentos instantâneos internacionais, uma área cheia de desafios:
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moedas diferentes
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regulações distintas
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requisitos de segurança
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interoperabilidade entre sistemas
Brandt acompanha projetos como:
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Nexus, do Banco de Compensações Internacionais (BIS), apelidado de “Pix internacional”, envolvendo Índia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia;
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iniciativas de integração financeira na África Austral (SADC).
Além disso, o FMI também acompanha o avanço das moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) — tecnologia que promete transformar o sistema financeiro internacional.
Big techs x Pix: tensões e disputas globais
A expansão de sistemas públicos de pagamentos provoca impacto bilionário em intermediários tradicionais, como bancos e empresas de tecnologia.
O diretor do FMI Tobias Adrian lembrou que imigrantes pagam cerca de 6,5% em taxas para enviar dinheiro ao exterior — um mercado que movimenta US$ 45 bilhões por ano só em tarifas.
Soluções como o Pix reduzem esse custo, tirando receita das big techs e empresas de remessas.
Nos Estados Unidos, o governo de Donald Trump incluiu o Pix em uma investigação sobre práticas “desleais”. Analistas apontam que o modelo brasileiro, operado pelo Banco Central e não por empresas privadas, afeta diretamente o mercado das gigantes de tecnologia.
Brandt, porém, evitou polêmicas:
“As infraestruturas digitais públicas são um jogo de ganha-ganha.”
Pix como infraestrutura pública digital
Um dos motivos do sucesso brasileiro é o caráter público, neutro e não lucrativo do sistema, desenvolvido e operado pelo BC. Esse modelo evitou a concentração em big techs — algo que aconteceu, por exemplo, na Índia, onde Google e Walmart dominam a camada final do UPI.
O Pix se tornou parte do ecossistema de infraestrutura pública digital, que inclui:
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Open Finance
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Identidade digital (CIN e gov.br)
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Rede Nacional de Dados de Saúde
Iniciativa defendida pela ONU desde 2023.
Brasil: laboratório global de finanças digitais
Um relatório do Valor Capital Group definiu o país como “laboratório global de finanças digitais”, destacando o avanço coordenado de:
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pagamentos instantâneos (Pix)
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compartilhamento de dados (Open Finance)
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identidade digital unificada
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regulações modernas para fintechs
Brandt agora leva essa experiência brasileira ao FMI, contribuindo para a modernização dos sistemas de pagamentos em escala internacional.
