Cerveja sem Rótulo

Hoje iniciamos a coluna “Cervejas sem Rótulo” e ela se chama assim porque é isso que proponho: tirar a embalagem, deixar de lado os preconceitos, quebrando paradigmas, falando de forma mais leve e descontraída para que assim possamos olhar para a cerveja como ela é, ou melhor, como ela pode ser para cada um de nós. Um convite sincero para a gente falar sobre cerveja como quem fala de música, de cinema, de infância ou de saudade: com sentimento, com história e sem medo do julgamento alheio, afinal trata-se de um universo muito vasto e criativo.

Para a gente começar, quero te contar como cheguei até aqui. Se você é “cria” dos anos 80 e 90 deve lembrar dos almoços de domingo de família, aqueles com churrasco, maionese, muita comida, e claro a cervejinha dos tios. E você como quem não quer nada ia se chegando naquele tio mais legal esperando o momento certo de pedir a espuminha para ele e sair faceiro com tal ato.

Sim meus amigos aquele foi o pontapé inicial disso tudo, o que não quer dizer que gostava. Por muito tempo achei a cerveja uma bebida amarga e ruim.

E se você me visse hoje, dono do bar Maltados, especializado em cervejas artesanais, e com o título de Sommelier de Cervejas no currículo, talvez não imaginasse que em algum momento da vida eu tivesse achado a cerveja ruim e amarga.

No início era apenas a busca pela famosa “tonturinha”, aquela leveza que dava coragem para conversar, dançar e falar besteiras com os amigos, nos bares da faculdade e festas por aí. O consumo não era por gosto, mas, por contexto, modismos, uma imitação ou até mesmo como se fosse um ritual de passagem.

Mas com o tempo, algo mudou. Outras bebidas foram perdendo a graça, e a cerveja foi ficando. E não era mais qualquer uma, comecei a perceber que existiam diferenças. E que essas diferenças, quando bem compreendidas, abriam portas para novas experiências. O amargor que antes torcia o rosto, hoje dava prazer. O aroma que antes passava despercebido, agora provocava memórias. O gole que antes era apenas um fim, tornou-se meio. Não tinha mais relação com a tonturinha que hoje inclusive se evita.

A cerveja passava a ser, não apenas uma bebida, mas cultura, linguagem e identidade.

E por isso, nada mais justo que começar esta coluna dizendo algo que pode soar quase como heresia para os iniciados no assunto, mas que carrego com convicção: cerveja boa é a que você gosta de tomar.

Sim, exatamente essa. Aquela pilsen bem gelada no copo americano da esquina, que desce lindamente no final do expediente. Ou uma IPA explodindo aroma que você descobriu em um bar e virou sua companheira de roda de conversa. A weiss que combina com o seu domingo, a stout que te abraça no inverno. Não importa o que o sommelier, o rótulo, o influenciador ou o algoritmo digam. Se ela te traz prazer, conforto ou memória, ela é boa. E ponto.

É claro que existe um universo técnico por trás disso tudo. Estilos, escolas cervejeiras, métodos de produção, ingredientes, harmonizações, off-flavors, e por aí vai. Mas isso tudo deve servir para ampliar o prazer, não para diminuir o seu gosto pessoal.

Cerveja não é prova de vestibular. É experiência. E se tem uma coisa que aprendi no balcão do bar e nas conversas com clientes, é que ninguém precisa entender de lúpulo para saber o que gosta.

Mas entender um pouco mais pode, sim, abrir horizontes. E é esse o espírito desta coluna: te levar, aos poucos, por essa caminhada evolutiva. Vamos falar de história, de estilos, de tendências, de bastidores de produção. Vamos viajar pelo mundo sem sair da mesa. Vamos rir de erros, celebrar acertos, e, quem sabe, fazer você repensar aquela cerveja que jurou nunca mais tomar.

E se você acha que cerveja é “tudo igual”, te convido a vir comigo e provar o contrário.

Vamos falar de colarinho – sim, a espuma, aquela mesma da infância. Muita gente ainda torce o nariz para ela, como se fosse desperdício ou espuma de chope mal tirado. Mas já antecipo, não é nada disso.

Vamos falar do copo certo – não por frescura, mas porque o formato muda tudo: aroma, carbonatação, percepção de corpo. Vamos descobrir que cerveja não combina só com petisco de boteco, mas também com sobremesas, queijos e até pratos sofisticados.

Vamos explorar o que está por trás da garrafa: quem faz, por que faz, o que motiva um mestre cervejeiro a criar uma receita, a desafiar o paladar. Porque no fim das contas, cerveja artesanal é isso: um recado engarrafado. Uma assinatura líquida de quem ousa fazer diferente.

Mas, mais do que tudo, vamos conversar. Porque é disso que se trata a cerveja, no fim das contas: da conversa, da pausa, do olhar no olho, do “saidera infinita”, e claro, uma boa história.

Então, se você chegou até aqui, já temos um brinde a fazer: à cerveja sem rótulo, à conversa sem script e à experiência sem julgamento.

A cada semana, vamos puxar uma cadeira e trocar ideias sobre essa bebida que, mesmo sendo milenar, ainda nos surpreende a cada gole.

Até lá, que a sua próxima cerveja, seja qual for, venha acompanhada de um bom motivo, uma boa companhia, e, se possível, um novo olhar.

Saúde! E até o próximo gole!