O álcool que abastece carros e o que está presente em vinhos e cervejas é quimicamente o mesmo — o etanol (C₂H₆O). Mas, embora a molécula seja idêntica, o processo de produção e a pureza do composto determinam se ele é um vinho refinado ou um veneno letal.
“Em ambos os casos, o etanol é a mesma molécula, mas o que muda é o grau de pureza, os aditivos e o controle sanitário”, explica Indianara Brandão, médica hematologista da Faculdade de Medicina do ABC.
“O combustível é feito para motores, pode conter impurezas e substâncias tóxicas, e segue normas da área de combustíveis — não de alimentos.”
O caminho do etanol nas bebidas
Nas bebidas alcoólicas, o etanol é formado por fermentação natural. Leveduras se alimentam dos açúcares presentes em frutas, cereais ou na cana-de-açúcar, transformando a glicose em etanol e gás carbônico.
Após a fermentação, o líquido passa por destilação e purificação rigorosas, eliminando compostos tóxicos e garantindo segurança ao consumidor.
Cervejas: ~4,5% de etanol
Vinhos: ~12%
Destilados: até 40%
Todo o processo é fiscalizado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), desde a fermentação até o engarrafamento.
O que há no etanol combustível
O etanol vendido nos postos também vem da cana-de-açúcar, mas o refino é muito menos rigoroso. A meta da indústria é eficiência energética, não pureza química.
O combustível contém cerca de 96% de etanol e 4% de água e impurezas. Para evitar o desvio e consumo indevido, o produto é “desnaturalizado” — recebe aditivos químicos como metanol, corantes e detergentes, tornando-o tóxico para o ser humano.
“Essas substâncias não afetam o funcionamento do motor, mas são altamente perigosas ao organismo humano”, explica o químico Rodrigo Machado Martins, do Curso Anglo.
Por que o metanol é tão perigoso
O metanol, adicionado ao combustível, é o principal vilão. No corpo humano, ele se converte em formaldeído e ácido fórmico, compostos que provocam acidose metabólica, cegueira e até morte.
“Durante a produção de combustível, não há preocupação em retirar compostos tóxicos, porque o produto não é feito para ser ingerido”, reforça Martins. “Beber etanol de posto pode levar ao coma em poucas horas.”
Casos recentes de fábricas clandestinas que misturam etanol combustível a bebidas falsificadas têm levado a intoxicações fatais em várias partes do Brasil.
Quando o álcool combate o álcool
Curiosamente, o etanol puro também é usado como antídoto hospitalar contra intoxicação por metanol.
“O etanol compete com o metanol pela mesma enzima — a álcool desidrogenase — e, ao ocupá-la, impede a formação dos compostos tóxicos”, explica Indianara Brandão.
O tratamento, porém, é exclusivamente hospitalar e pode incluir fomepizol e hemodiálise para eliminar o metanol do sangue.
“De forma alguma isso deve ser tentado fora do ambiente médico”, reforça a especialista.
Resumo: o que diferencia o álcool de beber do álcool de posto
Característica | Etanol de bebida | Etanol combustível |
---|---|---|
Origem | Fermentação natural e purificada | Produção industrial e refino energético |
Grau de pureza | Alta (controlada para consumo) | Baixa (sem controle alimentar) |
Aditivos | Nenhum | Metanol, corantes, detergentes |
Fiscalização | MAPA e Anvisa | ANP |
Segurança | Seguro para consumo moderado | Altamente tóxico e mortal |