Está prevista para a próxima quarta-feira a execução da ação de reintegração de posse de um terreno do governo do Estado, em Laguna, onde ainda hoje resiste o Loteamento Novo Horizonte. Mas nem todas as famílias decidiram ir embora
Willian Reis
Laguna
Terça-feira, dia 5. No meio da tarde, enquanto o sol se escondia entre as nuvens cinzentas, três meninas de cerca de quatro anos brincavam, sorridentes e animadas, com suas bonecas e bichos de pelúcia no quintal de casa. Só a diversão interessava a elas, nada mais. Dividindo o mesmo espaço com as crianças, os adultos circulavam apressados carregando madeiras e tijolos para a caçamba de dois caminhões. Eles estão em uma corrida contra o tempo.
As três meninas não sabem, mas aquelas estão entre as últimas horas da família morando ali. O quintal fica no conhecido Loteamento Novo Horizonte, em Laguna, que surgiu em uma área hoje pertencente à Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (Codesc), do governo do Estado, e alvo de uma ação de reintegração de posse.
O prazo do mandado de intimação para que todos os moradores abandonassem o local expirou em 13 de janeiro, mas conseguiu-se um adiamento até que a Câmara de Vereadores aprovasse o Projeto de Lei do Executivo concedendo auxílio especial de habitação para famílias que se enquadrassem em determinados critérios. O texto foi aprovado por unanimidade em 10 de julho e serviu de base para escolher a próxima quarta-feira, dia 13, como data-limite para que os moradores deixem o terreno definitivamente.
Indiferentes a mandados judiciais e outras burocracias do mundo dos adultos, as três meninas brincam enquanto as duas casas da família são desmanchadas. Na da frente, de madeira, morava a matriarca da família, Arina de Jesus Conceição, 56 anos; na de trás, a filha Fernanda Elias, 21. Ao todo sete pessoas viviam ali há dois anos e sete meses. Arina conta que, entre casas e terreno, investiu R$ 24 mil. Chegou a gastar com advogado, mas agora acha que não há mais jeito: prefere desmanchar as construções a perder tudo.
“A mãe passava fome para poder construir a casa”, recorda a filha Fernanda, enquanto retira os pregos das madeiras. Agora, a família vai se mudar para Guaiúba, em Imbituba, em um terreno emprestado. “Se venderem o quintal, a gente vai ter que ver para onde ir de novo”, conta Fernanda, cujo namorado é quem sustenta a família, hoje desempregada. Arina diz que vai devolver o terreno ao suposto dono, conhecido nas redondezas como Índio, para tentar reaver seu dinheiro.
20 famílias ainda moram no loteamento
Pelos cálculos dos próprios moradores, ainda há cerca de 20 famílias morando no loteamento, à espera aflita do que pode ocorrer na próxima quarta-feira. Dizem que só permanecem ali porque, de fato, não têm outro endereço. “Vou ficar aqui sentado. Eles vão ter que matar a minha família, porque a gente não tem para onde ir”, afirma Sérgio de Paula Pereira, 42 anos. “Estamos com medo, apreensivos”, confessa sua mulher, Eunice Teixeira dos Santos, 43, enquanto embala a filha recém-nascida, de 20 dias.
Oito pessoas moram na casa há pouco mais de um ano. Vieram de São Paulo e não têm nenhum parente em Santa Catarina. Pereira relata que os moradores vivem uma rotina de intimidação. “As crianças estão assustadas. Passa um carro e saem chorando, achando que a gente já vai ser despejado”, diz ele. No início da manhã do último sábado, os moradores acordaram às pressas porque a plantação de butiá no fundo das casas amanheceu queimando. Eles dizem que foi incêndio criminoso para atingir os barracos.
“Não vamos deixar demolir”, garante morador
O gaúcho de Novo Hamburgo Paulo Ruschel, 39, vive com a mulher e mais quatro filhos no loteamento há um ano. É um dos mais decididos a resistir até o fim. “Vamos continuar até a patrola vir, porque não temos para onde ir. A gente vai tentar barrar a liminar até a última hora. Não vamos deixar demolir. Simples assim”, garante.
Desempregado há duas semanas, diz que o grupo de moradores é representado na justiça por um advogado gaúcho. Ruschel afirma que comprou a casa por R$ 4 mil, mas sem ter sido avisado de que havia uma ordem judicial. Ele, como tantos outros que ainda permanecem no loteamento, garante ter tentado o auxílio para o aluguel cedido pela prefeitura, mas que não teria se enquadrado no perfil socioeconômico exigido.
Na vizinhança, há uma sucessão de casas fechadas ou em processo de desmanche. Alguns foram morar com parentes ou estão vivendo de aluguel. A construção de outro barraco foi interrompida até que a situação se resolva. Outro morador deixou tudo para trás e foi para Jaraguá do Sul.
Matusalém da Silva, 36, gastou R$ 8 mil para construir a casa de madeira onde mora com a mulher e dois filhos. Ouviu dizer que na segunda-feira a energia elétrica nas casas, fornecida por ligação clandestina, vai ser cortada. Se isso ocorrer, não vai esperar até quarta-feira: irá demolir a construção e se mudar por uns tempos para a casa da mãe. “É injusto querer desapropriar”, critica.
Batalhão de Choque vai dar apoio durante reintegração
O comandante do 28º Batalhão da Polícia Militar, tenente-coronel Jefer Francisco Fernandes, afirma que a execução da ação da reintegração de posse está mantida para a próxima quarta-feira. A PM vai acompanhar o trabalho dos oficiais de Justiça a pedido do juizado de Laguna.
A ação deve iniciar pela manhã, por volta das 8h, e consiste na retirada dos moradores e na demolição das edificações. A PM de Laguna irá contar com o apoio do Batalhão de Choque de Florianópolis. O número de agentes que participarão da operação não pode ser divulgado.
Morador diz que reintegração é “constrangedora”
Em meio às incertezas, muitos se agarram à fé. O casal Maria Soares, 67, e Edu Cirino Inácio, 62, é evangélico e tem na religião a saída para não perder a esperança. “Vendemos nossa casinha em Itajaí e viemos para cá. Sinto-me doente, mas tenho muita fé em Deus. Ele é que nos fortalece. Ainda acho que dá para continuar aqui”, comenta Maria, na cozinha da sua simples, porém caprichosa casinha. Há anos ela teve derrame ocular e só tem 10% de visão no olho esquerdo.
Sem ter para onde ir, Inácio não quer deixar o loteamento antes da quarta-feira. “Só saio daqui para o cemitério. Se o poder público não tomar providência, vamos botar a mudança na BR, debaixo da ponte, até alguém achar uma solução”, ameaça. Ele está indignado com a situação, que define como “constrangedora”. “Vou continuar até o fim. Aqui ou a gente invade casa abandonada ou ocupa outro terreno”, diz.
Defesa na Câmara: “Só queremos o sonho da casa própria”, afirma representante
Na sessão ordinária da Câmara de Vereadores da última segunda-feira, uma moradora foi convidada a ir à tribuna para falar em nome das famílias do loteamento. Maria Aparecida, que está desempregada, contou que todos ali temem pelo dia 13. “A gente se pergunta o que vai ser de nós. Ninguém invadiu nada, mas estamos sendo tratados como bandidos. Só queremos o sonho da casa própria. A gente está pedindo socorro para que não nos tirem de lá, mas sim que nos legalizem”, cobrou.
Relembre o caso
A área, na região do bairro Mato Alto, pertence à Companhia de Desenvolvimento Industrial de Santa Catarina (Codisc), mas, com a extinção do órgão, seu patrimônio, incluindo o terreno em Laguna, passou a ser administrado pela Codesc. Entre os motivos para a reintegração está o fato de no terreno existirem poços de captação de água, que, devido à presença considerada irregular dos moradores, correm risco de poluição.
Em 13 de dezembro, as famílias receberam intimação expedida pelo juiz Fabiano Antunes da Silva, da 1ª Vara Cível de Laguna, determinando a saída do local em até 30 dias. O prazo dado pela liminar encerrou em janeiro, mas a remoção dos moradores foi adiada até que se encontrasse uma solução para eles.
Um dos destinos para a área seria a implantação de uma penitenciária industrial, mas a proposta do governo do Estado foi bastante rechaçada pela maioria dos lagunenses. Agora, a prefeitura tenta o repasse das terras para o município. Do total 20% devem ser usados para a construção de um conjunto habitacional, e o restante será utilizado na implantação de um parque industrial.