Nas últimas colunas falamos de dois velhos conhecidos do dia a dia brasileiro: o “jeitinho” que vai salvando o hoje… até colocar a empresa em risco e as regras invisíveis que todo mundo segue, mas ninguém escreveu.
Hoje, quero te convidar para fazermos uma viagem ao passado, para um lugar improvável para conversarmos sobre tudo isso: o Japão do século XVII, na cabeça de um samurai estrategista chamado Miyamoto Musashi, autor do livro Os Cinco Anéis.
Pode parecer distante da sua realidade, mas não é.
No fundo, Musashi está falando da mesma coisa que você e eu precisamos encarar todos os dias: como viver e decidir de forma consciente, em vez de ser empurrado por improvisos e hábitos automáticos que a gente nem questiona.
E isso vale para a sua vida, para o seu trabalho e para a empresa onde você está.
Os Cinco Anéis de Musashi
Musashi não escrevia sobre “produtividade” ou “soft skills”.
Ele escrevia sobre caminho, disciplina, estratégia: como vencer de forma consistente, em qualquer terreno.
Um dono de negócio, um gestor, um colaborador e qualquer pessoa comum lidam, no fundo, com perguntas parecidas:
- “Como é que eu construo uma vida que não dependa só de sorte ou de jeitinho?”
- “Como é que a minha empresa para de viver apagando incêndio?”
- “Como eu paro de funcionar só no modo ‘sobrevivência’?”
Em Os Cinco Anéis, ele organiza a visão dele em cinco “camadas”:
- Terra: base, estrutura, chão firme.
- Água: adaptação sem perder a forma.
- Fogo: conflito, crise, combate.
- Vento: o caminho dos outros.
- Vazio: visão, propósito, consciência.
Vamos descer isso para o concreto: para a sua vida e para o seu negócio.
Terra: se a base é fraca, o jeitinho manda
No anel da Terra, Musashi fala de fundamento: antes de lutar, você precisa saber onde pisa.
Na vida pessoal, essa Terra é:
- suas rotinas mínimas (sono, alimentação, dinheiro, estudos);
- seus limites básicos (o que você aceita, o que você não aceita);
- seus “combinados” com você mesmo — mesmo que nunca tenham sido escritos.
Quando essa base é frágil, o que entra?
- “Essa semana eu dou um jeito.”
- “Mês que vem eu organizo as contas.”
- “Hoje eu faltei, mas amanhã eu compenso.”
Na empresa, a Terra é:
- processo claro;
- função definida (quem faz o quê);
- combinados que existem de verdade, não só no papel.
Quando essa Terra falta, entram em cena exatamente os temas das nossas colunas anteriores:
- o herói do improviso (“deixa que eu resolvo”);
- o jeitinho institucionalizado;
- as regras invisíveis que nascem “nas sombras” do negócio e passam a mandar mais do que o manual ou os processos já definidos.
Musashi, se estivesse na sua empresa (ou olhando para a sua rotina hoje), diria algo simples: antes de querer “vencer a batalha”, arruma o chão onde você pisa.
Água: adaptar não é se perder em mil jeitinhos
A água se adapta ao recipiente, mas continua sendo água.
Musashi usa essa imagem para falar de flexibilidade com identidade.
Na vida pessoal, isso aparece assim:
- uma nova fase (filhos, estudo, mudança de cidade);
- um novo desafio (doença, mudança de trabalho, fim de relacionamento).
Você precisa se adaptar, mas sem perder quem é e o que é importante para você.
Quando a gente erra a mão, a adaptação vira:
- “Cada hora eu sou de um jeito.”
- “Depende do dia, depende do humor, depende da pessoa.”
- “Eu vou me virando, depois eu vejo.”
Na empresa, é parecido.
Adaptar é:
- ajustar o atendimento sem perder o padrão;
- mudar o processo sem virar bagunça;
- tratar um caso especial sem transformar exceção em regra.
Quando isso se perde, entra a cultura do:
- “Para esse cliente a gente dá um jeitinho.”
- “Para aquele setor, a fila é outra.”
- “Esse relatório a gente faz por fora, o sistema atrapalha.”
Parece flexibilidade, mas é só confusão organizada.
Água, na visão de Musashi, não é caos: é fluidez com intenção — na sua vida e na sua empresa.
Fogo: crise não é desculpa para viver apagando incêndio
O anel do Fogo fala de combate, conflito, intensidade.
Na vida pessoal, o Fogo aparece quando:
- a saúde cobra a conta;
- o dinheiro falta;
- um relacionamento estoura;
- algo que estava sendo empurrado “para depois” passa a gritar agora.
Na empresa, o Fogo é:
- cliente grande ameaçando sair;
- fluxo de caixa apertado;
- erro grave que vaza para o mercado;
- equipe exausta, clima pesado.
É aqui que a cultura do jeitinho e das regras invisíveis mais aparece:
- “Liga para fulano que ele desenrola.”
- “Passa esse pedido na frente, depois a gente vê.”
- “Só esse mês a gente faz assim.”
Crise vira justificativa para tudo.
Musashi tem outra lógica: você treina na Terra e na Água para, quando o Fogo vier, não depender só de impulso.
Na vida, isso é:
- ter uma reserva mínima antes da crise;
- ter pessoas com quem contar;
- ter hábitos básicos que te seguram quando tudo sacode.
Na empresa, é:
- saber quem decide o quê;
- ter um plano mínimo para situações de risco;
- ter critérios claros de prioridade.
Quem não treina antes entra no Fogo e só sabe uma coisa: correr com balde na mão.
Vento: aprender com os outros sem perder o próprio caminho
O Vento, para Musashi, é o caminho dos outros.
Observar outros estilos, outras escolas, outras formas de lutar.
Na vida pessoal, o Vento é:
- o que você vê nas redes sociais;
- os conselhos de família e amigos;
- livros, cursos, podcasts, gurus.
Tudo isso pode ajudar ou te deixar mais perdido.
Quando o Vento entra torto, vira:
- “Eu vi no Instagram que tem que acordar 5h da manhã para dar certo.”
- “Fulano fez tal dieta, eu também vou fazer, vai dar super certo.”
- “Todo mundo está investindo nisso, vou entrar também.”
Sem Terra (base) e sem Vazio (propósito, que veremos já), o Vento arrasta.
Na empresa, o Vento aparece em:
- copiar modinha de gestão sem olhar para a realidade local;
- trazer jeitinhos de empresas anteriores (“lá funcionava assim”);
- adotar sistemas, regras e “melhores práticas” sem perguntar: “Isso faz sentido pra nós?”
Musashi propõe outra postura: observe o caminho dos outros para fortalecer o seu, não para abandonar quem você é.
Vazio: o que você realmente quer construir?
O anel do Vazio não é sobre “não ter nada”.
É sobre visão, propósito, consciência.
Na vida pessoal, o Vazio é a pergunta que a gente evita:
- Que tipo de vida eu quero construir?
- Que tipo de pessoa eu estou me tornando com as escolhas que faço no automático?
- Onde esse combo de jeitinho + regra invisível + improviso está me levando?
Na empresa, o Vazio é:
- que tipo de cultura queremos aqui dentro?
- o que é inegociável nos nossos valores e na forma de trabalhar?
- qual o tipo de negócio que estamos construindo — e não apenas qual faturamento queremos bater?
Sem esse nível de consciência, acontece o seguinte:
- a pessoa vai vivendo “como dá” e acorda um dia cansada da própria vida;
- a empresa vai “tocando como sempre foi” e descobre, anos depois, que se transformou numa coisa que o dono nunca sonhou.
Musashi era obcecado por treino e clareza.
Ele não esperava a inspiração ideal.
Ele repetia, observava, ajustava.
Na vida e nos negócios, é a mesma lógica: não basta saber o que é certo — é preciso praticar até virar parte de quem você é.
E na prática, o que fazer com isso?
Não precisa sair daqui com um “plano perfeito” para aplicar todos os anéis de uma vez.
A ideia é usar essa lente de Musashi para olhar diferente para a sua rotina e para a sua empresa.
Por exemplo:
- Quando você pensar em Terra, pode se perguntar:
“Que parte da minha vida ou da empresa eu ainda estou deixando no jeitinho, em vez de ter uma base minimamente organizada?” - Quando pensar em Água, vale olhar para as adaptações do seu dia a dia e perguntar:
“Isso aqui é flexibilidade saudável ou só mais um jeitinho que está virando regra?” - E, ao olhar para o Fogo, talvez a pergunta seja:
“Na próxima crise, eu quero reagir no impulso ou já ter combinado antes como vou agir?”
Os outros anéis — Vento e Vazio — eu deixo como convite para você explorar:
- De quem você tem aprendido (e o que precisa filtrar);
- E que história de vida e de empresa você quer estar contando daqui a alguns anos.
Se você sair desta leitura com uma pergunta incômoda na cabeça e uma pequena decisão diferente para tomar essa semana, Musashi já começou a cumprir o papel dele por aqui.
Porque, no fim, vida e negócio não mudam com uma grande virada de uma vez só,
mas com escolhas um pouco mais conscientes, repetidas dia após dia.
É essa estratégia — esse conjunto de Terra, Água, Fogo, Vento e Vazio — que decide se você está só sobrevivendo ou construindo algo que vale a pena.
Os Cinco Anéis, de Miyamoto Musashi, não é um livro de autoajuda nem um manual de gestão moderna, mas lembra uma coisa simples que a gente esquece:
Vida e negócio não se sustentam só em boa intenção e improviso.
Sustentam-se em fundamento, clareza e escolhas feitas com consciência.
No fim, a empresa em que você trabalha e a vida que você leva são, em grande parte, reflexo das batalhas que você decidiu travar e dos caminhos que escolheu — ou deixou de escolher — todos os dias.


