Farmacêutico bioquímico com mestrado e doutorado, professor do curso de medicina da Unisul e Coordenador do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Daisson Trevisol torna-se pela segunda vez o responsável pela saúde pública em Tubarão. Foi secretário por seis meses em 2012 e no último dia 2 assumiu o cargo de diretor-presidente da Fundação Municipal de Saúde, que voltará a ser secretaria no próximo ano. Sem filiação partidária, ele foi convidado por sua capacidade técnica e pretende permanecer até o fim do atual mandato.
Priscila Loch
Tubarão
Notisul – Menos de um mês após você assumir a Fundação de Saúde, qual o diagnóstico?
Daisson – Em primeiro lugar, tem aquela situação de que eu estive na secretaria por seis meses, então já tenho um conhecimento prévio. Claro que muitas coisas modificaram em quatro anos, umas para melhor, outras para pior. Mas o que pegamos nesse primeiro momento é muitos postos de saúde com problemas estruturais, de falta de manutenção. Não digo nem que foram nos últimos quatro anos, pode ter sido nos últimos meses. O vendaval piorou a situação, infiltrações. Estamos verificando a possibilidade de ou contratar uma equipe ou duas para fazer a manutenção pela secretaria ou abrir alguma licitação para fazer a contratação de empresas. Estamos avaliando o que é mais viável e mais barato. A saúde tem uma peculiaridade: desde o dia 2, quando assumi a secretaria, continua funcionando, não para. Os problemas passaram da secretária anterior para o secretário atual, e temos que resolver. Além disso, têm muitas questões ainda de exames laboratoriais e medicamentos em falta, consultas represadas. Temos que pensar que hoje temos um problema econômico mundial, no Brasil mais exacerbado, até pelas questões políticas mal resolvidas, e essa situação trouxe um problema muito grande que é transferir o paciente dos planos privados para o SUS. Tem aumento na demanda, e esses pacientes são mais exigentes. Mas não é esse o problema, e sim a dificuldade de repasse financeiro que recebemos dos governos federal e estadual para suprir as demandas, principalmente de medicamentos, que faltam bastante. Pegamos uma farmácia praticamente vazia, estamos com vários itens faltando e nesta semana conseguimos fazer a primeira compra de medicamentos. As empresas têm até dez dias para entregar e termos a Farmácia por pelo menos três meses com problema minimizado. O que mais estamos pensando é a humanização do atendimento, está faltando um pouco de estímulo para os funcionários. Toda mudança de governo gera uma preocupação, e essa preocupação reflete muito no atendimento. Não deveria, somos profissionais de saúde e deveríamos manter uma postura independente dos problemas que temos lá fora. Mas isso infelizmente influencia. O que estamos fazendo nesse primeiro momento é tentar buscar algumas soluções para toda essa situação, e principalmente com relação aos medicamentos e exames.
Notisul – Que tipo de progresso é possível fazer?
Daisson – Aceitei o convite do Joares e do Caio – fiz um trabalho de seis meses lá atrás, me dediquei, mas em seis meses não se consegue mostrar muita coisa -, sem intuito político, sem intuito financeiro, pois tenho minha segurança financeira fora daqui. Tenho uma vontade muito grande de resolver as coisas. Tenho usado o bordão “por uma saúde melhor”, que não é um bordão político, e sim um sentimento que tenho. Por isso que estou aqui. Não sou filiado, não tenho interesse político. Eu acredito muito na proposta dessa gestão, acreditei desde o começo, dá de fazer um projeto legal. O ideal é que não se fique mudando de secretário, e a minha proposta é fazer os quatro anos, para fazer um projeto em médio prazo. Nesse primeiro momento, estou fazendo um levantamento dos problemas, temos um período de adaptação, em que sempre pedimos a compreensão das pessoas, de três a seis meses, para regularizarmos as coisas, entender bem o sistema e trabalhar. Tenho certeza que temos que atuar muito mais em educação em saúde. Estamos trabalhando muito com tratamento, com medicalização, de resolver os problemas que ele já aconteceu. E estamos esquecendo no dia a dia de prevenir os problemas. Essa é uma meta que temos para os próximos anos. Se, por exemplo, o hipertenso fizer o básico e começar a fazer cedo as intervenções, como mais exercícios e uma alimentação melhor, ele vai reduzir futuramente a medicalização, ele vai reduzir a internação, o atendimento, a necessidade de exames… É isso que temos que ‘bater’ muito, senão vamos quebrar a saúde pública.
Notisul – Mas esse foco na prevenção não é meio que uma utopia?
Daisson – Eu imagino que é muito difícil mudar a mentalidade da população, mas não impossível. A União e os estados não têm condições financeiras de arcar com tudo. Se tiver que arcar com tudo, eu diria que em pouco tempo vai acabar com o Sistema Público de Saúde. Mesmo sendo um pensamento muito positivista, dá para fazer, temos que começar. Não digo que faremos isso em quatro anos, mas temos que começar.
Notisul – Essa conquista passa necessariamente pela humanização e outras melhorias no sistema.
Daisson – Exatamente. Hoje, estamos adotando a agenda aberta na maioria dos postos. Você pode agendar para outro dia quando não tem uma urgência e deixar aquele atendimento no dia para quem realmente necessita. Estamos aumentando a quantidade de consultas, o tempo de atendimento. Num primeiro momento, pode dar uma dificuldade, mas os postos que já atendem há um tempo têm uma agenda aberta tranquila, conseguem atender a população que pode agendar e as pessoas que chegam no dia a dia não sofrem com isso. Um dos nossos papéis é melhorar a informação, melhorar a forma em que é dada a informação, onde que se o paciente pode encontrar o que ele deve fazer em cada caso de saúde. Temos um hiato entre a atenção básica e a atenção hospitalar, vamos resolver isso. Estamos resolvendo várias situações. Quando falo em educação em saúde, não quer dizer que vai se esquecer do resto. Muito pelo contrário, temos que fazer todo o resto para depois trabalhar a prevenção.
Notisul – Acredito que um dos pontos fundamentais para isso é acabar definitivamente com as filas durante a madrugada em busca de atendimento nos postos. O problema é que há um número limitado de senhas distribuídas por dia e muitas vezes o paciente fica sem atendimento.
Daisson – Com a agenda aberta praticamente acaba com isso. Em janeiro e fevereiro, temos muitos profissionais de férias, então estamos com escalas. Todo ano é assim nesses dois meses, não é uma exclusividade de início de governo. Diminui um pouco a demanda, mas os profissionais têm direito a férias. Fizemos uma escala com rodízio de médicos, não tem posto sem atendimento durante a semana. Só que precisamos informar melhor. Tivemos uma reclamação no primeiro dia de governo porque teve gente que esperou na fila, mas não tinha médico e não sabiam. Por isso, pedi que colocassem uma tabela informando os postos de referência, conforme a necessidade. Tenho cobrado muito da equipe da secretaria essa questão do atendimento, de não deixar as pessoas sem resposta.
Notisul – Implantar o sistema de livre demanda, sem limitação de senhas, é possível?
Daisson – A agenda aberta já prevê uma demanda melhor. O médico tem dez atendimentos da agenda aberta, por exemplo, de pessoas que marcaram em dias anteriores, e vai atender nas oito horas as pessoas que chegarem ao posto com necessidade, isso é o que estamos fazendo. Temos um médico para cada posto de saúde. Provavelmente a partir de março vamos contratar médicos de suporte. Porque às vezes acontece o seguinte: tem uma agenda muito grande e uma demanda diária muito grande em alguns postos. Então esse médico vai ter que se deslocar para o atendimento lá, para não deixar ninguém sem atendimento. Estamos brigando para implantar a agenda aberta em todos os postos. Hoje a metade tem. Vem sendo implantado aos poucos.
Notisul – Qual a estrutura da fundação hoje?
Daisson – A fundação tem aproximadamente 700 funcionários, ou por processo seletivo ou concurso, e tem também prestadores de serviço, como especialistas e laboratórios. Temos 30 postos de saúde atendendo, 31 Estratégias da Família – que atendem a maior parte da população -, 1 policlínica, 1 serviço de vigilância epidemiológica junto com endemias, a Farmácia Central, Caps, Caes, Vigilância Sanitária, Controle de Avaliação, TFD (Tratamento Fora do Domicílio), CEO (Centro de Especialidades Odontológicas), fisioterapia e a estrutura da própria secretaria. Se compararmos com a maior parte do Brasil, tem um atendimento satisfatório e de boa qualidade. Eu diria que temos um atendimento muito melhor que a maioria dos municípios do Brasil. Tem que melhorar? Tem. E quanto mais melhorar mais vão cobrar que melhore. Isso é normal. A nossa preocupação e o pensamento da gestão é sempre melhorar, não deixar faltar medicamentos, não deixar faltar exames. E como é que a gente resolve isso? Temos um recurso que vem do governo federal, que é escasso. Temos 15% da arrecadação investidos pelo município. Uma das formas mais básicas é aumentar a arrecadação do município e num momento de crise é mais complicado. Hoje, temos um orçamento municipal de R$ 208 milhões por ano e cerca de R$ 30 milhões vêm para a saúde. O ideal seria pelo menos dobrar esse valor para melhorar a situação. Diria que fazemos muita coisa com tão pouco. Mas vamos buscar mais recursos e tentar melhorar nossos indicadores. Tem uma equipe muito boa na secretaria, estamos trabalhando basicamente com pessoas efetivas, não estamos inchando a máquina, temos pessoas muito boa, dedicadas. Eventualmente, tem uma ou outra pessoa que tem um pouco de dificuldade, mas no geral é assim.
Notisul – O que podes adiantar sobre o projeto que visa juntar toda a estrutura da fundação em um só local?
Daisson – Estamos avaliando algumas possibilidades. Nesse primeiro momento vai ser mais complicado. Já vimos alguns locais, algumas possibilidades são avaliadas, para tentar colocar ao menos a maior parte da estrutura da secretaria. A dificuldade que temos é a mesma, e verificamos que os pacientes sofrem muito com a essa divisão de departamentos. Na Rui Barbosa, onde ficam a Policlínica e a Farmácia Central, é muito complicado, não tem nem lugar para estacionar. Não posso precisar quando será possível essa mudança, mas estamos preocupados e já vimos um local que seria ideal. Se conseguirmos acertar, vamos ter um local muito interessante.
Notisul – Você acompanhou de perto, quando secretário de saúde, em 2012, os problemas para tirar o Centro de Controle de Zoonoses do papel. Passados quatro anos, o CCZ é um projeto consolidado, mas fica longe do propósito a que foi criado. Como você avalia essa questão?
Daisson – O problema como relação ao Centro de Controle de Zoonoses é a falta de recursos. Estive lá essa semana e fiquei contente. O Nei (administrador) faz um ótimo trabalho e me contou que havia uma pessoa para fazer as castrações, fazia cerca de 10, 12 por dia. Queremos voltar a fazer isso. Temos que trabalhar com uma prevenção um pouco maior, e uma das situações que temos que resolver é a chipagem dos animais. Só que a chipagem resolve basicamente apenas a situação da cidade, mas temos degradações feitas por moradores de outros municípios e isso é difícil de controlar. O tratamento dos aproximadamente 90 que estão lá é muito bom. A função do CCZ é tratar de doenças nos humanos causados por animais. Eu acho que ele faz um pouco esse papel. O que as pessoas têm que entender é que não é um depósito de animais, não é um canil. Tenho pedido cuidado muito grande com o local. Lembro que em 2012 estava bastante complicado, tinha muita coisa para resolver, e hoje está um pouco mais tranquilo. Estamos vendo para contratar um veterinário, e acho que vamos conseguir resolver, só precisamos de um tempinho. Agradeço o apoio das ONGs, que fazem um trabalho muito bem feito e são parceiras.
Notisul – Alguma novidade sobre a retomada das negociações para enfim colocar em funcionamento a Unidade de Pronto Atendimento?
Daisson – Evoluímos em alguma coisa, não especificamente sobre a estrutura da UPA, que ainda precisamos de definição jurídica e vamos avaliar depois. Não tem condições de o município ter uma UPA 24 horas, tanto que a maioria dos municípios está mudando. Hoje, temos um contato muito próximo com o hospital, a relação é muito boa. Temos uma parceria. O que estamos planejando? Vamos começar daqui a pouco com um piloto, um teste, em parceria com o hospital e com a Unisul. Meu pensamento é montar um pronto atendimento próximo ao hospital. Nós vamos ver a viabilidade disso, as negociações estão em andamento e acredito que a partir de março, abril já vamos ter alguma novidade. Vamos montar uma estrutura para resolver o problema entre a atenção básica e a alta complexidade, das 16 ou 17 horas até as 22 horas ou 23 horas, que atenda o público em geral e possibilite pequenos procedimentos, situações que não sejam necessárias encaminhamento para a emergência. Pretendo montar uma estrutura inicial para medirmos a febre. O pensamento é montar em dois locais no município até o fim do mandato. Lá para a estrutura onde seria a UPA temos umas ideias interessantes, mas tudo vai depender de como está a estrutura lá, nem fui lá ainda depois que assumi. Agora, esse atendimento intermediário – entre o posto e o hospital – acredito que estará em funcionamento até o fim do primeiro semestre. Já estamos negociando, mas não quero anunciar detalhes antes de estar tudo pronto.
Notisul – Que outros projetos você já têm a curto, médio e longo prazo?
Daisson – Temos um projeto grande, que já foi pensado um pouco em 2012 e continuado agora, que capacitar os funcionários, melhorar o acesso da população. Pretendo que, até o fim do mandato, tenhamos alguns locais de referência de atendimento no município, além dos postos de saúde. A partir desse piloto que pretendemos fazer, tentar melhorar alguns locais para dar um suporte maior, melhorar o acesso a alguns especialistas e a exames laboratoriais. O projeto é fazer com que a saúde ande, melhore. Não vamos resolver tudo. Como você disse, o ideal é utopia, mas sempre tentando melhorar. Vou me doar muito a esse projeto, principalmente tomando cuidado com o recurso público, que é um recurso nosso. Só peço que a população tenha um pouco de paciência nesse início.

