Nos últimos anos, a chamada “onda woke”, ou a crescente ênfase em temas de justiça social envolvendo gênero, raça e orientação sexual, gerou um impacto significativo no mundo corporativo e nas estratégias de marketing. No entanto, sinais de recuo começam a surgir, especialmente nos Estados Unidos e, em menor escala, no Brasil.
Esse fenômeno levanta questões sobre até que ponto empresas devem tomar partido em questões sociais e sobre os possíveis riscos de serem vistas como “reféns” de pressões públicas.
Cases globais de recuo: a resposta do público
Um dos exemplos mais comentados é o da Bud Light, versão mais leve da famosa Budweiser, cerveja mais vendida nos Estados unidos, que sofreu um prejuízo de R$ 1,9 bi, após uma campanha polêmica com a ativista e influenciadora trans Dylan Mulvaney. A marca estampou a imagem de Mulvaney em suas latas de cerveja, um ato que gerou repercussão negativa entre consumidores tradicionais da marca.

Com reações contrárias, a Bud Light experimentou uma queda expressiva nas vendas e um impacto histórico em suas receitas, o que colocou a empresa diante de uma reconsideração de seu posicionamento. Esse caso trouxe à tona um questionamento frequente entre especialistas de mercado: qual é o limite para que empresas abordem temas sociais sem perder o apoio de seus clientes fiéis?
A Bud Light parece ter cruzado essa linha, resultando em perdas substanciais que colocaram sua estratégia de marca em xeque. Para muitos, essa situação ilustra a fragilidade de envolver-se em temas altamente polarizados, mostrando que posicionamentos corporativos em questões sociais devem ser bem calculados.
Brasil: o caso Maurício Souza e o impacto no esporte e nas redes
No Brasil, um dos episódios mais emblemáticos do “recuo woke” ocorreu em 2021 com o caso do jogador de vôlei Maurício Souza. Ele fez uma postagem criticando a bissexualidade do personagem Jon Kent, o novo Superman, da DC Comics, o que gerou uma série de reações nas redes sociais. O atleta criticou a DC Comics citando a exposição do filho aos quadrinhos.
Sob pressão de patrocinadores como Fiat e Gerdau, o Minas Tênis Clube, equipe de Maurício, exigiu uma retratação. Após uma resposta considerada “insuficiente”, o jogador foi demitido, fato que gerou ainda mais discussões. Maurício Souza, atleta de alto desempenho, foi medalhista de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2011, prata em 2015 e ouro nos Jogos Olímpicos Rio 2016. A reação do público ao caso foi expressiva e impactou diretamente a imagem das empresas envolvidas.
Maurício, que possuía cerca de 200 mil seguidores no Instagram no início da controvérsia, viu seu número de seguidores subir rapidamente, ultrapassando 2,7 milhões. Esse aumento de popularidade, aliado ao descontentamento com as empresas patrocinadoras, sinalizou uma possível “fadiga” do público em relação a decisões corporativas influenciadas por pressões sociais.
Em 2022, Maurício Souza entrou na política e foi eleito deputado federal com forte apoio popular, fato que reforça a complexidade e os riscos das empresas ao alinharem-se automaticamente a certas pautas.
Empresas e a pressão de ambos os lados
Outro exemplo relevante ocorreu no setor de moda e publicidade nos Estados Unidos, onde a marca Target enfrentou boicotes e retração nas vendas após lançar produtos destinados ao público LGBTQIA+. O movimento foi impulsionado, em parte, por críticas de consumidores mais conservadores que se sentiram distantes da proposta da marca.
Casos como esse evidenciam o dilema enfrentado por muitas empresas, que precisam equilibrar suas iniciativas de inclusão e diversidade com a percepção e expectativas de seu público. No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, o público parece responder de forma ainda mais crítica ao que percebem como “politização excessiva” nas campanhas de empresas, especialmente em temas de gênero e sexualidade.
Assim, empresas como a Fiat e a Gerdau, que apoiaram a demissão de Maurício, viram uma onda de insatisfação se refletir em comentários negativos nas redes sociais, demonstrando que o alinhamento a pautas sociais pode ter um custo reputacional significativo.
O que o recuo indica para o futuro das estratégias corporativas
Para muitas empresas, o recuo da onda woke não significa ignorar questões sociais importantes, mas sim abordar esses temas com maior cautela, evitando uma politização excessiva. Empresas que desejam adotar posturas em temas de diversidade e inclusão estão começando a fazer isso de forma menos explícita e mais integrada aos seus valores e propósito.
O caso Bud Light e a experiência de marcas brasileiras como Fiat e Gerdau mostram que o público está atento às posturas das empresas e reage tanto positiva quanto negativamente, dependendo da forma como esses temas são abordados. Assim, o recuo em relação a algumas pautas woke parece ser uma tentativa de retornar a um terreno mais seguro e que reforce a fidelidade do cliente sem polarizar a base de consumidores.