
Zahyra Mattar
Tubarão
A precariedade da saúde pública não é novidade. Quem mais sofre são os que dependem exclusivamente do Sistema Único (SUS). Para tentar mudar esta defasagem histórica, o Conselho Nacional de Saúde convocou a sociedade para brigar por mais recursos.
E foi daí que nasceu o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública (Saúde+10). A meta é colher o mínimo de 1,5 milhão de assinaturas, necessárias para a criação do projeto de lei de iniciativa popular que visa assegurar 10% da receita bruta da União à saúde pública.
Com a iniciativa, pretende-se amenizar o problema do subfinanciamento do SUS. Estados e municípios precisam complementar com recursos próprios os custos dos serviços públicos de saúde disponibilizados à sociedade. Em Santa Catarina, o movimento recolheu mais de 70 mil assinaturas.
O número representa menos de 2% dos catarinenses. Os documentos foram entregues ontem, em Brasília, para a contagem nacional, a ser realizada pelo Conselho Nacional de Saúde, que também fará uma auditoria nos formulários para evitar a anulação do abaixoassinado no congresso.
Esta emenda de iniciativa popular vai garantir para a saúde do Brasil mais de R$ 40 bilhões. Com o valor, será possível reajustar de imediato a tabela do SUS, cujos valores seguem os mesmos desde 1996. Hoje, cerca de 2,1 mil hospitais comunitários, filantrópicos e santas casas ameaçam fechar as portas no fim do ano por falta de recursos.
Uma tentativa já foi feita
A aprovação da Emenda 29, cujo mote determinava quais os percentuais de investimento em saúde pública deveria ser feito pela União, estados e municípios, sempre foi apontada como a solução para tirar os hospitais da precariedade e assegurar os serviços essenciais à população.
Após mais de uma década de trâmite, a proposta de regulamentação da Emenda 29 chegou a ser aprovada pelos senadores em maio de 2008, mas nunca houve consenso na câmara. Na verdade, a matéria sempre foi usada como moeda de troca para assegurar a aprovação de outros projetos.
O que se pretende com o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública (Saúde+10) não é exatamente uma novidade. Um projeto aprovado no senado também previa que o percentual mínimo de repasses da União para a saúde seria de 10% da receita corrente bruta.
Essa alteração, porém, foi derrubada na câmara em setembro de 2011. Em Santa Catarina, a proposta seria uma saída imediata para que pelo menos 180 instituições de saúde conveniadas com o SUS pudessem se manter.
Estado e assembleia mobilizam-se
Em Tubarão, do total de atendimentos do Hospital Nossa Senhora da Conceição, o maior do estado em números de leitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 80% são de pacientes que não podem pagar pelos procedimentos.
O problema é que a instituição não recebe o total aplicado. Em um exemplo para simular a defasagem, fica ainda mais claro compreender o perrengue em que vive o HNSC e as outras quase 180 instituições filantrópicas do estado: se o procedimento custa R$ 10,00, o governo federal repassa R$ 2,00.
A solução definitiva é conhecida há mais de uma década: o reajuste da tabela do SUS. A estimativa do adjunto da secretaria estadual de saúde, Acélio Casagrande, é que cada hospital filantrópico catarinense precise de pelo menos 50% do que recebe do SUS para continuar com as portas abertas. “Ainda assim, haveriam perdas”, avalia.
Hoje, o HNSC tem uma dívida mensal e acumulativa de no mínimo R$ 100 mil por mês para manter a emergência aberta aos pacientes do SUS. São pelo menos R$ 1,2 milhão por ano.
Se o pano de fundo do Saúde+10 é a luta para garantir os 10% da receita bruta da União na saúde, o foco segue o reajuste da tabela, defende o presidente da assembleia legislativa, Joares Ponticelli (PP).
“Assistimos a um processo de quebra geral. Tem itens na tabela do SUS que não são reajustados há 20 anos. Se não tivermos uma ação rápida, vamos ter um caos estabelecido na saúde em Santa Catarina e no Brasil”, alerta.
Deputados e o adjunto da saúde, Acélio Casagrande, reuniram-se para também buscar uma solução aos hospitais
Foto:Eduardo Guedes de Oliveira/Alesc/Notisul
Números reforçam o pleito dos hospitais
Existem no Brasil cerca de 2,1 mil hospitais filantrópicos com quase 115 mil leitos. Essas instituições realizaram mais de 7,5 milhões de internações em 2011, quase cinco milhões de pacientes do Sistema Único de Saúde.
A participação do setor filantrópico no total de internações públicas subiu de 39,9% em 2004 para 44,8% em 2011. A dívida acumulada, consequente da defasagem da tabela, saltou de R$ 1,8 bilhão, em 2005, para R$ 5,9 bilhões em 2009.
No ano passado, superou os R$ 11 bilhões. A estimativa é que, no próximo mês, a dívida alcance R$ 15 bilhões. Um outro ponto: enquanto estados e municípios investem mais do que o estabelecido pela Constituição na saúde, a União não aplica nem a metade do que deveria.
Para as prefeituras, é obrigatório o emprego de 15% de sua receita na saúde. A maioria aplica entre 20% e 25% e mesmo assim não consegue atender a alta demanda.
Aos estados, é necessário o repasse de 12%, e novamente a maioria investe cerca de 15% a 20%. Para a União, é reservado um percentual bem menor, de apenas 10%, mas o aplicado não passa de 4%. E o “detalhe”: o governo federal concentra 72% da receita do país.