Na igreja anglicana, celibato é opcional

Ser padre era o sonho de Julio Zamparetti, hoje com 41 anos, desde criança. A expectativa era compartilhada por sua família, mas os caminhos seguiram outros rumos. Quando decidiu retomar as raízes católicas, já havia casado e tido dois filhos. Como seria padre na igreja católica apostólica romana com família constituída? Foi aí que conheceu a igreja anglicana, uma vertente do catolicismo separada de Roma há mais de cinco séculos que não tem o celibato como obrigação. Foi ordenado padre anglicano em 2011 e coordena a Paróquia São Rafael Arcanjo, em Tubarão. Também é o diretor da Casa da Acolhida, celebrante de casamentos, músico, professor de reforço de matemática do filho mais novo… Um homem com muitas atribuições e uma linda mensagem para transmitir!

Priscila Loch
Tubarão

Notisul – Qual a diferença entre as igrejas anglicana e católica?
Padre Julio – A igreja anglicana é uma igreja católica. Porém, está separada de Roma desde 1534. Houve na história da igreja anglicana momentos mais protestantes e outros mais católicos. Desde o princípio, buscou manter um equilíbrio entre protestantismo e catolicismo. Em Tubarão, tem um fator bem peculiar. Porque o bispo está longe, pertencemos à Catedral Anglicana de São Paulo. Essa distância faz com que façamos um trabalho menos proselitista, temos várias pessoas que são paroquianos mas não são anglicanos. Para ser anglicano, tem que ser recebido pelo bispo, tem que ir para São Paulo. Não temos essa cobrança, queremos reunir as pessoas em função da caridade. Hoje, em torno de 40 pessoas circulam nas missas, colaboram, mas anglicanos mesmo são dez. Não estamos preocupados com isso. A função hoje da igreja anglicana aqui é trabalhar pela Casa da Acolhida, não em torno de uma doutrina. Focamos na questão da caridade, no amor, no serviço ao próximo. As questões apologéticas são totalmente descartadas em nossas homilias. Entendemos que as variedades das religiões são apenas uma maneira de tratar de forma diferente o mesmo bem que todos nós queremos. 

Notisul – Por que decidiu tornar-se padre? 
Padre Julio –
Eu fui católico romano, batizado. Meu desejo sempre foi ser padre. Mas tivemos alguns problemas na família e alguns sonhos pareceram desmoronar. Nunca perdi a admiração pelo meu avô, Mário Zamparetti, muito católico, a pessoa mais parecida com Jesus que conheci. Ele era uma pessoa incrível, simples, de pouco estudo, mas com uma fé absolutamente genuína e muito consciente, um leitor assíduo da Bíblia. Eu queria ser parecido com ele. Aí, quando decidi retomar a raiz católica, tinha o mesmo desejo de ser padre. Mas como eu seria na igreja romana? Foi aí que acabei conhecendo a igreja anglicana, e comecei uma caminhada, em 2007.

Notisul – Você já era casado nesta época, e a igreja católica tem o celibato…
Padre Julio –
Exatamente por isso. Em 2011, fui ordenado padre. Como existem seminaristas casados, existem algumas possibilidades. O estudo também pode ser feito em casa, junto da família, como se fosse à distância, e o trabalho paroquial é o que é mais fundamental. Existem alguns que ficam em tempo integral, da mesma forma como o seminário católico. 

Notisul – Voltando à questão do celibato, na sua avaliação atrapalha o sonho de quem quer ser padre?
Padre Julio –
Tem dois lados da moeda. Não tiro as razões da igreja católica. A igreja anglicana também tem suas razões. A gente entende que tem muito padre bom afastado e o fato de ter uma família não impediria. Também temos padres celibatários na igreja anglicana. 

Notisul – A igreja anglicana é mais liberal então?
Padre Julio –
Sim. Existe o lado positivo da experiência, mais autoridade sobre o que se fala. Uma coisa é aconselhar alguém pelo o que você estuda, outra coisa é pelo que você vive. Uma vez eu terminei um casamento e a cerimonialista disse: “eu poderia te ouvir falar por horas. O que tens de diferente?”. Daí eu respondi que acho que é a verdade do que eu vivo. Tenho a verdade da experiência dos casais que aconselho e também a verdade da experiência que tenho dentro da minha casa, com a minha família, com meus filhos, e isso acho que é o que endossa aquilo que eu falo. Existe o lado que a igreja católica também analisa, que é a questão de problemas familiares dentro do clero. Quando a família do padre não está bem sintonizada, gera um problema para a comunidade. Não somos a favor do divórcio, mas não somos a favor que a pessoa fique o resto da vida com esse peso. Por isso realizamos o segundo casamento. Se não deu certo, a pessoa tem que ter a chance de ser feliz novamente. Razões têm dos dois lados, pró e contra celibato. Nós, anglicanos, apenas resolvemos correr o risco.

Notisul – Por que os casamentos não têm durado tanto como antigamente?
Padre Julio –
Primeiro, por falta de saber lidar com o novo momento social. As coisas mudam muito mais rápido, são mais instáveis, em todas as áreas. As empresas, por exemplo, têm que estar se reformulando. No casamento, não é diferente. Com a conquista de espaço da mulher, as famílias foram se readequando. Tem que aprender como conviver com isso. 

Notisul – Antigamente, a mulher era mais submissa ao homem, principalmente pela dependência financeira. Isso contribuiu.
Padre Julio –
O modelo antigo era mais sólido. Mas nem sempre o que é mais sólido é melhor. O profeta, no Antigo Testamento, falava que Deus dizia: “Eu vos tirarei o coração de pedra e lhes darei um coração de carne”. Quer dizer, acho que Deus também não via muito com bons olhos essa questão da solidez, porque eram sólidos, mas tinham pessoas infelizes. As mulheres tinham que se submeter a tratamentos horríveis. O que a gente vive não é o modelo ideal, porque precisamos aprender a lidar com a situação como está. É importante a mulher ocupar o seu espaço. O que tem que haver é essa adequação familiar.

Notisul – Falta um pouco de tolerância.
Julio –
Também acho que seja assim. As palavras mais em voga para os nossos dias são flexibilidade, confiança e fidelidade. E fidelidade não significa apenas não trair sexualmente, vem do latim fide, que é fé, crer, acreditar que vale a pena a cada dia recomeçar o relacionamento, renamorar, renoivar, recasar, rever as condições, poder compartilhar as tarefas, os compromissos. Não existe uma fórmula para que o casamento dê certo, temos que aprender a cada dia.

Notisul – Como temas como métodos contraceptivos e homossexualismo são tratados na igreja anglicana?
Padre Julio –
Nós somos a favor da vida e sempre vamos ser a favor daquilo que é bom. O problema é que o conceito de bom pode diferir. Não temos nenhuma restrição com relação aos métodos anticoncepcionais, somos favoráveis à vida. As questões teológicas que a Bíblia traz, que se colocam contra, tinham uma aplicação para aquela época. “Crescei e enchei a Terra”. A Terra estava vazia. Hoje o conceito é outro, a Terra está superlotada. As leis, e isso inclui as leis bíblicas, foram feitas para organizar a vida do homem, não o homem que foi feito para as leis. No caso dos homossexuais, a igreja anglicana é pioneira na questão da inclusão. De forma alguma vamos imputar sobre a pessoa uma culpa que ela não tem. Ela não tem culpa de nascer assim. Se é que isso é algo culpável. A pessoa não pode ser discriminada pela cor, pela etnia, pela situação social e também pela orientação sexual. Nós, na paróquia, recebemos os homossexuais normalmente. Para nós, não há diferença nenhuma. Jesus não fez distinção e também não fazemos. Todos são bem-vindos, todos são convidados a comungar. 

A Casa da Acolhida é uma estrutura disponibilizada para acompanhantes de pacientes do hospital que não têm onde ficar. Tem máquina de lavar roupas, fogão, micro-ondas, panelas. Fica na Sílvio Búrigo, no bairro Monte Castelo, número 2.219. A manutenção é feita com a venda da revista da acolhida O telefone para contato é o 9619-6958.