Deficientes visuais estão juntos há 12 anos. Lado a lado, eles lutam até hoje para superar as dificuldades e os inúmeros desafios
Lysiê Santos
Tubarão
Hoje, no Dia dos Namorados, centenas de casais celebram aquele sentimento que aguça os sentidos do corpo humano. Olfato, visão, tato, paladar e audição ficam mais sensíveis quando o coração acelera e nos deparamos com a pessoa amada. Dizem que um dos primeiros sentidos a ser aguçado quando se trata de relacionamento é a visão. Para a maioria, a aparência é um dos primeiros requisitos que chamam a atenção ao conhecer o pretendente.
O formato do corpo, o cabelo, detalhes do rosto, o sorriso, tudo é analisado antes de iniciar um contato mais íntimo. Há aqueles ainda que acreditam que o amor é cego, quando os padrões de aparência física são deixados de lado e o que passa a valer é a beleza interior. Certa vez o filósofo indiano Osho afirmou que “as pessoas dizem que o amor é cego porque elas não sabem o que é o amor. Só o amor tem olhos. Além do amor, tudo é cego”.
E é o amor que tem sustentado por 12 anos o relacionamento dos aposentados Genésio Teixeira Filho, de 56 anos, e Maria de Lourdes de Borba Isidoro, 49 anos. Os dois são deficientes visuais e tem comprovado que a impossibilidade de enxergar não atrapalha a relação, pelo contrário, valoriza ainda mais aquilo que realmente importa: o caráter, a afinidade, o companheirismo e, é claro, o amor.
Os dois se conheceram por meio da Associação Catarinense para Integração do Cego (Acic), que fica em Florianópolis. A busca pela reabilitação à vida social aproximou o casal, que luta até hoje para superar as dificuldades e os inúmeros desafios da deficiência visual.
Maria e Genésio se conheceram durante reabilitação
Maria de Lourdes nasceu com a doença retinosa pigmentar e desde a infância convive com a baixa visão. A doença foi avançando, e aos 20 anos ela perdeu completamente o sentido visual. Hoje enxerga apenas uma pequena claridade. A tubaronense aprendeu a exercer as atividades domésticas, como limpar a casa e fazer comida. Ela sempre morou com a mãe e não saía de casa. “Eu não me aceitava como deficiente visual. Passei a vida toda atrás de médicos para tentar reverter a doença. Tinha medo de tudo, me sentia um ‘passarinho na gaiola’ e só ficava em casa, não imaginava que um dia poderia me casar”, relata.
Para Genésio, a deficiência visual o pegou de surpresa. Aos 38 anos, em 1999, o representante comercial, que na época era casado e já tinha dois filhos, foi vítima de um acidente de trânsito e perdeu 100% a visão. “Um colega estava dirigindo o carro e bateu em uma árvore. Eu estava na carona dormindo. O capô do carro bateu no meu rosto, que ficou irreconhecível. Passei por muitas cirurgias, mas não foi possível recuperar a visão”, relembra. A partir do acidente, Genésio passou por momentos difíceis. “Eu não saía da cama. Tinha medo e não conseguia fazer nada. Eu viajava por tudo como representante comercial, estava sempre na rua conversando com as pessoas e de repente tudo mudou”, conta. Meses após o acidente e quase depressivo com a situação, Genésio decidiu procurar a associação e aprender a se adaptar à nova realidade. Ficou por três anos e meio. Lá ele aprendeu o Braille, a usar a bengala e todos os outros sistemas específicos dos deficientes visuais. Depois de reabilitado, Genésio soube do caso de Maria de Lourdes e decidiu apresentar os materiais para ela.
Da afinidade e do companheirismo surgiu o amor
Diferente dos namoros comuns, Genésio e Maria de Lourdes, pela deficiência, nunca se viram, mas isso foi só um detalhe. Genésio foi o primeiro e único namorado de Maria de Lourdes. Ela conta que o início foi difícil. “Eu tinha muito medo, mas ele foi me conquistando pela conversa. Fomos criando uma amizade e quando estava com ele meu coração acelerava. Nunca tinha sentido aquilo, foi quando percebi que já estava apaixonada”, conta. Genésio diz que o namoro não teve “piscadinhas”, mas foi regado à muita conversa e amizade, que aos poucos se transformou em paixão e amor. “Somos muito felizes juntos. Fomos nos aproximando e hoje mantemos uma relação muito boa”, ressalta. O casal mora sozinho no bairro Km 60, em Tubarão, e dividem as tarefas diárias. Eles destacam que o segredo de uma boa relação é a comunicação. “Nunca tivemos uma briga. Até porque temos que nos ajudar e, quando nos desentendemos, em seguida já conversamos e pedimos perdão. Evitamos dormir brigados”, afirma Maria.
História de superação inspira outros deficientes
A Associação Tubaronense para Integração do Deficiente Visual (Atidev) já existe há cerca de 10 anos e é a única associação existente que auxilia os deficientes visuais e de baixa visão em toda a Amurel. Genésio é um dos sócios fundadores da entidade. “Depois que fiquei na Acic em Florianópolis, resolvemos trazer esse auxílio aqui para nossa região”, salienta. Maria de Lourdes é professora voluntária de Braille e, junto com o marido, luta para dar continuidade ao trabalho que auxilia os deficientes visuais. “Tentamos mostrar que é possível ter uma vida ‘normal’. Eu vivia no meu ‘mundinho’ e depois que conheci o Genésio e o trabalho da associação voltei a estudar e agora auxilio outras pessoas”, comemora a voluntária.
