Minha crônica desta semana traz para vocês uma reportagem que me chamou muito a atenção. Um veículo de comunicação nacional republicou uma notícia do jornalista Daniel Gigena do jornal Argentino La Nacion em 19 de agosto último, que, em minha opinião, é no mínimo inusitada.
A matéria relatava a decisão da juíza Carolina Macarrein, titular do Juizado de Família, Infância e Adolescência nº 4 de Corrientes, que determinou que um pai
aquele mesmo que havia pedido a suspensão do pagamento da pensão de seus filhos — lesse o clássico e mundialmente famoso “O Pequeno Príncipe”, do francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944).
Segundo a matéria, a magistrada tinha por objetivo fazer o pai refletir sobre a importância da empatia e da consciência do seu papel paterno. Negou o pedido e convocou o homem a retornar ao julgamento em 26 de agosto para contar suas conclusões sobre a leitura.
O pai havia requerido ao tribunal a interrupção da assistência econômica à filha de 21 anos, alegando que o certificado de incapacidade dela (Certificado Único de Deficiência) havia vencido. A juíza, porém, entendeu que essa atitude revelava “falta de empatia e de coração” com os filhos — um deles com deficiência, outro com problemas de saúde. Na sentença, ela destacou:
“Ser pai não se limita a cumprir uma obrigação econômica; também implica acompanhar, compreender e apoiar emocionalmente os filhos, especialmente quando se encontram em situação de vulnerabilidade.”
Além de manter a pensão, determinou a leitura de “O Pequeno Príncipe”. Por que me perguntei? Talvez ela entenda que porque, embora não haja pais e filhos no enredo, a obra transmite valores universais: amor, respeito, amizade, cuidado. Na próxima semana, o “condenado a ler” deverá se apresentar à juíza para comentar o que aprendeu com o livro.
E ela ainda afirmou: “As obrigações parentais não se cumprem apenas com dinheiro, mas também com amor, compreensão e presença. Por isso determinei que o pai leia o livro: para que se lembre de que ‘o essencial é invisível aos olhos’ e que o essencial para seus filhos é seu cuidado e afeto.”
Quando li essa história, e mergulhada em minhas lembranças pensei: o que faz uma juíza mandar um pai ler um clássico? Não é uma decisão trivial. Em um mundo de sentenças técnicas, aqui temos um gesto humano, quase poético o que me fez voltar no tempo. Como se a Justiça dissesse: “o Direito sozinho não basta”. Talvez porque os códigos da vida não estão apenas nos tribunais, mas também nas páginas de um livro.
Eu mesma vivi um divórcio litigioso, participei de audiências exaustivas, sempre em busca do que acreditava ser melhor para meus filhos — também deficientes. E penso: quantas situações dolorosas poderiam ter sido evitadas se houvesse mais empatia, mais escuta, menos mecanicismo? Quantas vezes uma decisão menos fria teria mudado histórias?
Essa juíza não propôs apenas uma leitura. Ela lembrou algo essencial: paternidade e maternidade não cabem numa planilha financeira. E para afirmar este argumento eu sempre falo que amar é barato. É barato beijar, abraçar, ouvir, acariciar. É barato velar uma febre à noite, fazer um curativo, estar presente nas horas difíceis. E é barato também jogar bola, fazer um piquenique, andar de mãos dadas. É barato elogiar, enaltecer. É barato……..
Como eu gostaria de conversar com essa magistrada. Saber que estímulos literários ela teve na infância e na juventude para, em meio a códigos, artigos e parágrafos, lembrar-se de Saint-Exupéry e de seu Pequeno Príncipe. Talvez ela também saiba, como nós, que certos aprendizados não vêm com toga, mas com ternura.
E mais, porque, no fim, algumas sentenças brilham por si mesmas e iluminam a justiça. Minha reverência à Dra. Carolina Macarrein.