O dia 13 de maio é uma data de profunda ambiguidade na história brasileira. Em 1888, após décadas de pressão de movimentos abolicionistas e por insistência do governo imperial — encabeçado por Dom Pedro I, seguido por Dom Pedro II e culminando com a atuação decisiva da Princesa Dona Isabel — a Assembleia Nacional aprovou a Lei Áurea. Um ato simbólico, jurídico e moral que pôs fim à escravidão legal no Brasil.
A assinatura da lei pela Princesa Isabel, chamada à época de “a Redentora”, representava mais do que a libertação de pessoas. Era a última peça de um império que resistia ao autoritarismo militar e tentava, dentro das possibilidades daquele tempo, avançar em direção a um Brasil mais justo. Mas a liberdade sem reparação, sem reforma agrária, sem inclusão social, foi também uma armadilha: libertos sem terra, sem trabalho digno e sem direitos, milhões foram abandonados à própria sorte — um reflexo cruel da elite escravocrata que apenas trocou de roupa para continuar mandando. Os planos da Princesa do Brasil, de indenizar os ex-cativos, indignou ainda mais as elites brasileiras.
A resposta à Lei Áurea veio menos de dois anos depois. Militares — muitos dos quais voltavam da Guerra do Paraguai e exigiam mais poder político — junto aos coronéis da política e da economia, deram o golpe de Estado que proclamou a República. Não houve consulta popular. Não houve debate nacional. Houve, sim, uma decisão de cima para baixo, calcada na lógica de sempre: os de cima decidem, os de baixo obedecem.
Desde então, vivemos sob um sistema em que o povo permanece à margem das decisões. As instituições republicanas, que deveriam zelar pelo bem comum e representar a soberania popular, são frequentemente capturadas por interesses privados, por projetos de poder e por uma lógica de manutenção de privilégios. No Congresso Nacional, senadores e deputados parecem legislar com os olhos voltados para seus próprios feudos eleitorais, enquanto a Presidência da República, seja qual for o ocupante do cargo, governa mais preocupado com a reeleição ou com o futuro político dos seus.
A Justiça, por sua vez, muitas vezes se comporta como um poder hermético, distante das angústias do povo e, em alguns casos, alheia à própria Constituição — aquela que afirma, com todas as letras, que “todo o poder emana do povo”. Uma frase bonita, mas cada vez mais desacreditada.
Vivemos a contradição de uma república onde o povo é constantemente ignorado. A mesma população que foi deixada de lado após a abolição continua, hoje, sendo invisível para o Estado. Saúde, educação, moradia, segurança, transporte — são direitos que parecem privilégios, tamanha a dificuldade de acessá-los.
É preciso, neste 13 de maio, não apenas lembrar da abolição da escravatura, mas refletir sobre a abolição inacabada da desigualdade, da exclusão e do autoritarismo. Mais do que nunca, é preciso lembrar que a soberania é do povo. E que uma república verdadeira só existirá quando isso deixar de ser uma frase bonita e passar a ser uma prática cotidiana.