Tem gente que fala que bar é só lugar de beber. Mas quem vive de balcão sabe que o bar muitas vezes é uma espécie de consultório. Não tem diploma pendurado na parede, nem estetoscópio brilhando no peito. O que tem é copo cheio, ouvido atento e paciência para aguentar desde desabafo de chefe chato até drama de coração partido.
A especialidade da casa, sem dúvida, é psicologia. O cliente chega com a cara amassada pela vida, pede uma gelada e logo começa a sessão: “Sabe o que é, “doutor”? O problema lá em casa é complicado…”. Aí pronto. Eu viro terapeuta, as vezes o resto dos clientes viram expectadores ou até mesmo especialistas a depender da condição do paciente”. No fim, não existe consulta particular: todo mundo participa da conversa.
Só que o bar não para por aí. Também tem lado de cardiologista. Quantas vezes já vi o sujeito entrar com o coração em pedaços e sair acreditando de novo no amor? Ok, às vezes é só a terceira IPA falando, mas quem disse que placebo não funciona? E tem também um quê de nutricionista, porque aqui a gente trata ansiedade com porção de batata frita, ressaca com pastel e tristeza com bolinho de carne.
O mais engraçado é que o balcão vira uma espécie de grupo terapêutico espontâneo. Um fala do divórcio, outro rebate com a demissão, e no fim os dois estão rindo como se tivessem trocado receitas de bolo. A cerveja, nesse cenário, funciona como anestesia: amortece a dor e dá coragem para encarar o que vem depois.
Outro dia tivemos o caso de dois clientes emburrados no balcão, ambos encarando um divórcio, já com suas queixas prontas para atirar no pobre médico, digo, garçom. Assim que começaram a falar, se olharam e logo estavam dando risadas um com o outro pelos erros cometidos. E saíram jurando que iriam reconquistar seus amores.
Agora, uma verdade que aprendi nesse bar-consultório é que ninguém sai do mesmo jeito que entrou. De alguma maneira quando você compartilha suas dores em um balcão com alguns conhecidos e desconhecidos, a magia do bar tende a acontecer deixando algo que parecia fora de alcance a se resolver, um pouco mais fácil de se lidar.
Também há quem dia que o bar não resolve nada. Realmente pode ser, mas que ajuda a tornar as vezes um pouco mais leve, isso eu acho que sim. De todo modo aqui, a consulta vem com brinde: espuma cremosa e, às vezes, alguns petiscos.
E quer saber? Se Freud tivesse tomado umas no balcão, a psicanálise poderia ter sido um pouco mais fácil.
(Se persistirem os sintomas procure um médico, de verdade)
Um brinde e até o próximo gole.