“O microcrédito dá às pessoas a chance de crescer e planejar o futuro”
A empresária Isabel Baggio, uma das mais influentes lideranças do Brasil na área das microfinanças, é a atual presidente do Banco da Família e da Associação Brasileira de Entidades Operadoras de Microcrédito e Microfinanças, que representa as instituições brasileiras que atuam no setor de microcrédito produtivo orientado.
Em entrevista à Coluna, ela explicou sobre a atuação das instituições que garantem mais oportunidades e qualidade de vida a milhares de famílias catarinenses.
Pelo Estado: Em outubro, o Banco da Família completa 27 anos. O que representa essa trajetória para a instituição e para o setor de microfinanças no Brasil?
Isabel Baggio: Representa a consolidação de um modelo que une inclusão social e sustentabilidade financeira. Quando nascemos, em 1998, ainda como Banco da Mulher, nosso foco era oferecer crédito de forma humana e responsável, especialmente para quem mais precisava. De lá pra cá, mantivemos a mesma essência: acreditar nas pessoas e na sua capacidade de transformar a própria realidade. Cada contrato representa mais do que um valor liberado: é dignidade, oportunidade e autonomia.
Pelo Estado: Por que o microcrédito é uma ferramenta essencial no Brasil?
Isabel Baggio: Temos milhões de brasileiros que não têm acesso ao sistema financeiro tradicional. São trabalhadores informais, pequenos produtores, mulheres que empreendem em casa, pessoas com boas ideias, mas sem capital inicial. O microcrédito dá a essas pessoas a chance de crescer e planejar o futuro. No Banco da Família, mais de 55% dos clientes são mulheres e 80% atuam de forma informal.
Pelo Estado: Como presidente da ABCRED, qual é o principal desafio das microfinanças no Brasil hoje?
Isabel Baggio: As pessoas não vivem só de trabalho. Se alguém não tem um banheiro em casa, como vai cuidar da renda da família? Por isso, quando falamos em microfinanças, estamos falando de algo muito mais amplo do que crédito. Precisamos garantir acesso a saneamento, moradia, energia solar, saúde. O desafio está em ampliar essa visão e fortalecer as relações com o Governo Federal, o Congresso Nacional e outras entidades do setor para construir políticas públicas adequadas.
Pelo Estado: O Banco da Família foi reconhecido pela MicroRate como a melhor instituição de microfinanças do país. O que esse título representa?
Isabel Baggio: É um marco. Ser reconhecido pela MicroRate, em 2024, como a melhor instituição de microfinanças do Brasil e uma das cinco melhores do mundo, reforça que é possível unir impacto social e solidez financeira. Essa conquista é resultado de um trabalho consistente, com governança, controle de risco e proximidade com as comunidades. Ao longo da nossa história, liberamos mais de R$ 2,9 bilhões em crédito e beneficiamos 1,9 milhão de pessoas em 303 cidades, principalmente nos três estados do Sul do país.
Pelo Estado: Mesmo com um cenário econômico desafiador, o Banco da Família vem crescendo. A que se deve esse desempenho?
Isabel Baggio: osso modelo de crédito é próximo das pessoas e adaptável às suas realidades. Trabalhamos com orientação e acompanhamento. Não é apenas liberar crédito, é entender o contexto de cada cliente. Entre janeiro e agosto de 2025, registramos crescimentos importantes: 30,16% no BF Agro, 61,31% no BF Educação, 5,02% no BF Microcrédito e 19,10% no BF Soluções. São resultados que mostram a vitalidade do modelo e a confiança que as famílias e empreendedores depositam em nós.
Pelo Estado: Quais projetos e como o Banco da Família está atuando nas cidades do interior catarinense?
Isabel Baggio: A Rede de Mulheres é um dos projetos mais recentes da instituição e estamos atuando diretamente nas comunidades do interior que mais precisam de ajuda para trabalhar e empreender. Formamos grupos de mulheres que recebem crédito com garantia solidária para vender suas produções de alimentos e artesanatos, revender panos de pratos, toalhas etc. Elas se apoiam e a nossa equipe auxilia com orientação e educação financeira para prosperarem em seus negócios. Atuamos com agentes de crédito que conhecem a realidade das comunidades e prestam atendimento direto às famílias. Temos também programas como o BF Agro, que apoia pequenos agricultores; o BF Casa, que financia moradias populares; e o Produtores da Serra, que fomenta negócios locais e promove inclusão produtiva. Ainda, lançamos o projeto de franquias, um modelo inédito no país que permite levar nossos serviços a municípios menores.
Pelo Estado: Esse modelo de franquias é uma das grandes novidades do Banco da Família. Como ele funciona?
Isabel Baggio: Sim, é um passo importante na nossa história. O modelo de franquias nasceu do desejo de crescer de forma sustentável e descentralizada. Com apoio da Cherto Consultoria, desenvolvemos um formato que permite a empresários e investidores sociais operarem postos de atendimento da marca em cidades estratégicas. Os franqueados recebem treinamento, suporte técnico e acesso a um portfólio com mais de 15 soluções financeiras — entre elas microcrédito para capital de giro, linhas rurais, crédito consignado, habitação e energia solar. Já temos duas unidades em operação, em Imbituba e Forquilhinha, e o plano é expandir para outras regiões do país.
Pelo Estado: Como garantir que o propósito social se mantenha nessa expansão por meio de franquias?
Isabel Baggio: Esse é o nosso ponto de atenção principal. A expansão só faz sentido se o propósito for preservado. Por isso, cada franqueado passa por um processo rigoroso de capacitação, recebe acompanhamento técnico e precisa seguir os mesmos padrões de governança e responsabilidade socioambiental da instituição. O impacto social não é um complemento — é o centro do nosso modelo.
Pelo Estado: Ao longo desses 27 anos, quais aprendizados mais marcaram sua trajetória à frente do Banco da Família?
Isabel Baggio: Aprendemos que o crédito é uma relação de confiança. A pessoa que busca um empréstimo confia em nós para realizar um sonho. Isso exige respeito e escuta. Também aprendemos que é possível ter uma instituição financeira sólida sem abrir mão da sensibilidade social. Gestão e propósito caminham juntos. Essa é a chave do sucesso das microfinanças: equilíbrio entre eficiência e empatia.
Pelo Estado: O que o futuro reserva para o Banco da Família?
Isabel Baggio: Queremos expandir nossa presença nacional sem perder o DNA de proximidade. O modelo de franquias é o primeiro passo. O segundo é seguir inovando em produtos e tecnologias que aproximem ainda mais o crédito das pessoas. Continuaremos acreditando no poder do microcrédito como ferramenta de transformação. O que começou em Lages, há 27 anos, como uma instituição comunitária voltado às mulheres, hoje se consolida como referência em empreendedorismo social no Brasil.
