Esqueça a tática por um minuto. Esqueça o 4-3-3, a linha alta, a pressão pós-perda. Se você quer entender de verdade o que aconteceu no Brasileirão 2025, você precisa tirar os olhos do gramado e olhar fixamente para o cofre.
O campeonato deste ano não foi apenas uma disputa esportiva; foi um choque de realidade brutal, um verdadeiro “Jogos Vorazes” corporativo onde a tradição da camisa pesada foi atropelada pela frieza dos balanços. A sensação que pairou no ar, da primeira à penúltima rodada, foi de uma tensão elétrica: gigantes caminhando na beira do abismo e “intrusos” organizados jantando na mesa dos reis.
A tabela final, com o Flamengo soberano no topo com 78 pontos e o Sport agonizando na lanterna com 17, conta uma história muito maior do que futebol.
Ela desenha um Brasil onde o meio-termo acabou. A “classe média” do futebol desapareceu. Ou você é uma potência financeira, ou você é um projeto de eficiência cirúrgica, ou você é uma vítima da gravidade.
A energia de 2025 foi essa: o encanto do jogo se misturou com o caos dos boletos. E quem entrou em campo sem saber fazer conta, acabou sem saber jogar.
O Mapa da Mina (e do Buraco): O Brasil antes da bola rolar
Para entender o campo, precisamos visitar o “banco”.
Antes de qualquer árbitro apitar o início do campeonato, o placar financeiro já estava desenhado e ele era assustador.
Estamos falando de uma elite (os 20 da Série A mais os 4 que subiram) que movimentou uma receita total de R$ 11,3 bilhões em 2024. Parece muito? Parece europeu? Calma. Porque, do outro lado do balcão, a dívida somada dessas mesmas equipes batia a casa dos R$ 20,9 bilhões.
Isso mesmo. A nossa “Série A” é, na verdade, um grupo de endividados.
O cenário pré-jogo desenhou um sistema de castas financeiras cruel, onde a desigualdade não é um detalhe, é a regra do jogo:
- A Elite do Bilhão: O Flamengo liderava com R$ 1,3 bilhão de receita, seguido de perto por Palmeiras (R$ 1,2 bi) e Corinthians (R$ 1,1 bi). Eles entraram em 2025 com o poder de fogo de nações pequenas.
- A Ilusão do Meio: Clubes como São Paulo e Botafogo faturavam na casa dos R$ 700 milhões, mas carregavam déficits operacionais gigantescos, perto de R$ 300 milhões negativos cada um. É a riqueza de fachada: terno de grife, nome no Serasa.
- A “Série B” na Série A: O bloco do acesso,Sport, Ceará, Mirassol, somava, juntos, uma receita de R$ 390 milhões. Ou seja: três clubes inteiros não faturavam um terço do que o Flamengo faz sozinho.
Mas o dado que gritava silêncio era o das dívidas.
O Corinthians iniciou a temporada devendo R$ 2,4 bilhões. O Atlético-MG, com seus “ajustes” contábeis, flutuava entre R$ 1,8 e R$ 2,3 bilhões de passivo.
O futebol brasileiro virou uma mistura esquizofrênica de faturamento de clube europeu médio com dívida de estatal quebrada. E apenas 8 clubes fecharam 2024 no azul. O resto entrou em 2025 sangrando.
Os Personagens: Quem é quem na fila do milhão
Não dá para tratar esses 20 clubes como uma lista. Eles são personagens vivos, cada um com seu drama, sua arrogância ou sua tragédia anunciada. Vamos olhar no olho deles, divididos pelo seu “status existencial”:
GRUPO 1: OS TITÃS (Dinheiro e Poder)
Flamengo (O Predador)
Entrou em 2025 não para competir, mas para dominar. Líder de receita, maior folha do país (~R$ 36,8 milhões/mês) e dívida controlada para o seu tamanho. Com a campanha da Libertadores, acumulou R$ 1,56 bilhão até o terceiro trimestre e projetou romper a barreira histórica de R$ 2 bilhões no ano. É o “primo rico” que gabaritou a prova antes de entrar na sala.
Palmeiras (O Aluno Exemplar)
O único gigante que dorme tranquilo. Superávit de quase R$ 200 milhões, receitas de R$ 1,2 bi e folha de R$ 26 milhões. Transforma dinheiro em taça sem desmontar o balanço. Qualquer coisa abaixo de G-3 seria vista como fracasso.
Corinthians (O Gigante na UTI)
Fatura como rei (R$ 1,1 bi), deve como caloteiro (R$ 2,4 bi). Vive no fio da navalha: muito dinheiro entrando, mas um déficit de R$ 181 milhões queimando o caixa. A pressão para cortar custos e reorganizar a dívida era o verdadeiro adversário.
GRUPO 2: OS ARRISCADOS (O “All-In”)
Botafogo (O Novo Rico Instável)
Receita de top 5 (R$ 719 mi), mas um dos maiores déficits do país (R$ 299 mi). É a aposta da SAF que gasta o que não tem, esperando que a glória pague a conta. Candidato a tudo, mas com risco eterno de desandar.
Atlético-MG (A Bomba Relógio)
Finalista de tudo em 2024, mas com dívida impagável de até R$ 2,3 bi e déficit de R$ 299 mi. Adotou o modo “vencer ou morrer”, gastando agora para empurrar a conta para frente.
São Paulo (O Aristocrata Decadente)
Receita alta, folha de R$ 15,5 milhões, estrelas no elenco… e uma dívida de R$ 1,8 bilhão que corrói as fundações. Um gigante preso na própria grandeza, que não pode flertar com a parte de baixo da tabela.
GRUPO 3: A CLASSE MÉDIA (Laboratório de Gestão)
Internacional (A Ilusão Colorada)
Receita de top 10, passivo de R$ 1,2 bilhão. Entrou em 2025 achando que era grande demais para cair, pressionado por falta de títulos e dívidas. O rebaixamento não era esperado; era um cenário de colapso.
Fluminense (O Campeão Equilibrista)
Receita de grande, superávit raro em 2024, mas elenco envelhecido e caro. Viveu o auge da imagem com a Libertadores de 2023, mas com o sinal de alerta ligado para o desgaste.
Grêmio (O Recuperado)
Receitas de R$ 400-450 mi e superávit. Saiu do caos para a estabilidade, brigando para ser competitivo sem loucuras financeiras.
GRUPO 4: AS SAFs EM CONSTRUÇÃO
Cruzeiro (A Fênix Organizada)
Receita média (R$ 320 mi), dívida herdada de R$ 1,3 bi, mas folha subindo para R$ 21 mi com investimento consciente. O exemplo de que organização vale mais que faturamento bruto.
Vasco (O Caos Estabilizado)
Receita de quase R$ 400 mi, passivo de R$ 1,2 bi. Uma SAF em crise institucional (crise da 777 Partners), mas com dinheiro suficiente para deixar de ser “ioiô”.
Bahia (O Projeto City)
Receita baixa para o grupo (R$ 277 mi) e déficit alto (R$ 246 mi). Promessa de potência estruturada que ainda ajustava o modelo.
Fortaleza (O Modelo)
Receita de R$ 277 mi, mas superavitário e elogiado pela eficiência. O time “chato de enfrentar” que faz muito com pouco e evita riscos.
GRUPO 5: OS SOBREVIVENTES (E A ANOMALIA)
Santos (O Gigante Ferido)
Mesmo na B em 2024, faturou R$ 408 mi (mais que muito time da A). Voltou com dinheiro, mas com trauma.
Red Bull Bragantino (A Empresa)
Folha de R$ 6,5 mi, filosofia de revenda. Estabilidade sem pressão de torcida.
Ceará e Vitória (A Resistência)
Receitas intermediárias/baixas, luta eterna contra a gravidade da tabela.
Juventude (O Primo Pobre)
Menor folha da Série A (R$ 1,9 mi/mês). Entrou em campo sabendo que cada ponto era um milagre.
Sport (O Azarão)
Receita de R$ 54 mi (base 2018), elenco curto. Candidato número 1 ao Z-4 desde o dia zero.
E, claro, o Mirassol. O intruso.
Sem dívida. Folha de R$ 4,1 milhões (10% do Flamengo). Um clube de cidade pequena que opera no azul enquanto os gigantes sangram no vermelho.
O Que Aconteceu em Campo: O Dinheiro Comprou a Tabela?
Quando a bola rolou, o roteiro financeiro se impôs, mas com requintes de crueldade e plot twists dignos de cinema.
No Topo, a Lógica Venceu:
O Flamengo liderou de ponta a ponta. Com 78 pontos, melhor ataque (75 gols) e melhor defesa (24 sofridos), confirmou que R$ 37 milhões por mês compram, sim, hegemonia. O Palmeiras (2º, 73 pts) e o Cruzeiro (3º, 69 pts) provaram que dinheiro (ou a reorganização dele via SAF) traz resultado imediato.
No Meio, o Dinheiro foi Queimado:
O meio da tabela foi o cemitério das vaidades.
O Corinthians (10º) foi medíocre apesar do bilhão de receita. O Botafogo (7º) e o Atlético-MG (13º) queimaram caminhões de dinheiro (e déficits de R$ 300 mi) para entregar campanhas decepcionantes para o custo que tiveram.
Dinheiro comprou jogadores, mas não comprou time.
No Fundo, a Tragédia e a Lógica:
Sport (20º) e Juventude (19º) caíram. A matemática foi implacável: sem dinheiro, o teto é baixo.
Mas a queda (ou quase queda, 18º lugar) do Internacional foi o soco no estômago. Um gigante, com receita de top 10 e passivo bilionário, desmoronando.
Provando que ter dinheiro e não ter comando é a receita mais rápida para o desastre.
Dinheiro x Desempenho: O Diagnóstico
Se colocarmos o campeonato numa mesa de operação, 2025 nos ensinou três lições brutais sobre o capital. Preparei uma análise rápida para você visualizar quem entregou o que prometeu (e quem sonegou futebol):
| Perfil | Quem São | O Que Aconteceu? | A Lição |
| Ricos & Organizados | Flamengo, Palmeiras | G-4, Títulos | Dinheiro + Gestão = Dinastia. Quando o cofre cheio encontra a competência, ninguém segura. |
| Ricos & Caóticos | Corinthians, Galo, Botafogo | Meio de Tabela | Dinheiro aceita desaforo, mas cobra juros. Gasta-se muito para ganhar pouco. O elenco é caro, mas a paz não existe. |
| Pobres (Lógica) | Sport, Juventude | Z-4 | A pobreza cobra. Sem bala na agulha, a gravidade derruba. A estatística venceu o sonho. |
| A Anomalia | Mirassol | G-4 (Libertadores) | Inteligência > Dinheiro. O único jeito de furar a bolha é não errar nunca. |
Flamengo x Mirassol: O Espelho da Desigualdade (e da Competência)
Aqui está o coração desta análise. O 1º e o 4º colocado do Brasileirão. O Golias e o Davi.
Eles jogaram o mesmo campeonato, mas viveram em planetas diferentes. Vamos colocar lado a lado para entender o absurdo:
FLAMENGO (O Golias):
- Receita 2025: Projetada > R$ 2 Bilhões (Tetra da Liberta).
- Folha Mensal: ~R$ 37 Milhões.
- Dívida: R$ 1,1 Bi (mas controlada).
- Modelo: Escala global, multidão, pressão insuportável.
- Resultado: Campeão de Tudo.
MIRASSOL (O Davi):
- Receita: Uma fração minúscula (parte dos R$ 390 mi do bloco de acesso).
- Folha Mensal: ~R$ 4,1 Milhões (11% da folha do Fla).
- Dívida: Zero.
- Modelo: Eficiência de nicho, gestão familiar, obsessão por equilíbrio.
- Resultado: Vaga direta na Libertadores.
O Mirassol gastou R$ 6,5 milhões em contratações no ano todo. A premiação mínima da vaga na Libertadores (~R$ 16 milhões) paga esse investimento duas vezes e meia.
São dois modelos de sucesso no capitalismo futebolístico. O Flamengo é a tese de que “dinheiro + marca = hegemonia”. O Mirassol é a prova de que “gestão + coerência = milagre”.
O fenômeno de branding e o efeito financeiro
Como boa marqueteira (e flamenguista, confesso), eu não poderia encerrar essa análise financeira olhando apenas para a linha final da planilha. Porque o dinheiro não brota no caixa por geração espontânea. Se o Flamengo projeta romper a barreira dos R$ 2 bilhões em 2025, existe um motor invisível girando essa engrenagem, algo que vai muito além de “vender ingresso”.
Estamos falando de Branding como Ativo Financeiro.
Lembra quando eu disse que o Flamengo tem a maior folha do país (~R$ 37 milhões/mês) e uma dívida controlada? A pergunta técnica que o mercado faz é: “Como a conta fecha?”. A resposta comercial é: “Porque eles vendem muito”. Mas a resposta real, a que nos interessa, é: “Porque eles vendem identidade”.
Vamos aos dados, mas com um olhar clínico:
- O “Monopólio” Cultural: Ter 21% da população brasileira torcendo para você não é apenas estatística de bar; é Market Share. Mas o dado financeiramente relevante é que 63% dessa massa não mora no Rio de Janeiro. O que isso significa para o cofre? Significa que o Flamengo não é um negócio local (como são a maioria dos clubes brasileiros). Ele é uma plataforma nacional de mídia. Quando o Flamengo fecha um patrocínio, ele não entrega a “Zona Sul do Rio”; ele entrega o Brasil de ponta a ponta. Isso inflaciona o valor da camisa a patamares que nenhum rival regional consegue acompanhar.
- A Narrativa da Redenção (O Storytelling do Bilhão): Financeiramente, o ponto de virada foi o pagamento da dívida colossal (R$ 750 milhões em 2013 para R$ 1 bilhão pago na década seguinte). Mas, sob a ótica do branding, o que aconteceu foi a construção de uma Jornada do Herói. O torcedor não pagou apenas para ver o time ganhar; ele pagou para ver o time renascer. O clube soube monetizar o orgulho da reconstrução. Isso transformou o torcedor em cliente fiel, disposto a consumir qualquer produto do ecossistema (camisas, tokens, PPV) para sentir que faz parte da “retomada”.
- O Ecossistema de Lifestyle: O Flamengo deixou de ser um time de futebol para virar uma marca de estilo de vida. Quando marcas como Adidas, Reserva e Braziline pagam milhões em licenciamento, elas não estão comprando futebol. Estão comprando a estética rubro-negra. O clube monetiza até quando não entra em campo.
E onde o Mirassol entra nessa aula de Branding?
É aqui que a análise financeira ganha profundidade. Você pode pensar: “Ah, Kah, mas o Mirassol é pequeno, não tem 40 milhões de torcedores, nunca vai ter esse branding”.
Cuidado. Branding não é sobre tamanho. É sobre reputação.
Se o ativo financeiro do Flamengo é a Paixão/Escala, o ativo financeiro que o Mirassol começou a construir em 2025 é a Confiabilidade/Eficiência.
No mercado financeiro, confiança vale ouro. O Mirassol, ao subir para a Série A sem dívidas, com CT pago e gestão eficiente, está construindo uma marca fortíssima de “porto seguro”.
- Para o investidor, o Mirassol é a “Small Cap” (empresa pequena na bolsa) bem gerida que promete dividendos.
- Para o jogador, é o clube que paga em dia (ao contrário de gigantes caloteiros).
- Para o mercado, é o case de sucesso a ser estudado.
O Flamengo levou décadas (e uma ajudinha da TV aberta nos anos 80) para consolidar sua marca de massa. O Mirassol está aproveitando o caos financeiro dos outros 19 clubes da Série A para posicionar sua marca como a “alternativa inteligente”.
No fim das contas, o dinheiro que analisamos nas tabelas acima é apenas a consequência. O Flamengo imprime dinheiro porque vende pertencimento a uma nação. O Mirassol começou a imprimir dinheiro (guardadas as proporções) porque vende segurança num mercado de lunáticos.
Ambos descobriram o segredo: no futebol moderno, quem não tem uma marca clara, vira apenas um pagador de boletos. E, como vimos na tabela de 2025, os pagadores de boletos costumam ser rebaixados.
Veredito: O futebol virou só dinheiro?
Olhando para a tabela de 2025, a resposta é complexa, ambígua e fascinante.
Sim, virou.
Porque sem dinheiro, você não briga no topo. O abismo entre o Flamengo e o Sport é financeiro antes de ser técnico. O dinheiro definiu o teto e o piso de quase todo mundo. A “Série A” virou uma liga censitária onde quem paga a entrada VIP joga por taças, e quem não paga joga pela vida.
Mas não, não é só dinheiro.
Porque se fosse só dinheiro, o Internacional estaria no G-4, e não no Z-4. Se fosse só dinheiro, o Mirassol estaria na Série C, e não na Libertadores. Se fosse só dinheiro, o Corinthians e o Botafogo teriam disputado o título ponto a ponto com o Flamengo, em vez de patinarem na própria grandeza.
O dinheiro tomou conta do futebol, sim. Ele dita as regras, compra as peças e constrói os estádios. Mas 2025 provou que o dinheiro, por si só, é burro. Ele precisa de método, de alma e de projeto para entrar no gol.
O Flamengo mostrou como se reina com bilhões.
O Mirassol mostrou como se reina com tostões.
E o resto? O resto ainda está tentando descobrir como pagar a conta do mês passado, enquanto a bola continua rolando, impiedosa, para quem acha que camisa ganha jogo, ou que saldo bancário garante taça.
*Todos os dados foram coletados de estimativas e projeções, ainda sem balancetes oficiais dos clubes sobre a temporada de 2025.

