* Beatriz Godoy Taveira
Tubarão
Há oito meses no Brasil, o haitiano Sonel Pierre-Louis trabalha em uma empresa de vidro no bairro São Martinho, em Tubarão, e tem o sonho de fazer uma faculdade de Engenharia Civil. Já Mario Jules, que está há mais de um ano no país, pretende estudar Mecânica, a mesma área que exercia no Haiti. Wilson Mathurin vive há 11 meses no Brasil e conta que veio para trabalhar e conhecer o país do futebol. “Eu vejo a seleção do Brasil jogar e eu gosto muito”, diz o haitiano. Com 46 anos, Jean Oreste saiu do mesmo país de Sonel, Mario e Wilson, há um ano e quatro meses, e atualmente trabalha como coletor de resíduosna na Cidade Azul.
De Gana, Siddique Ali encontrou sua maior dificuldade na língua portuguesa, quando chegou ao Brasil dois anos atrás. Hoje, pretende estudar para se tornar professor de inglês, língua oficial em seu país de origem. O inglês também é uma questão importante para Abubakar Ibrahim, que afirma sentir muita falta do idioma. “A Língua portuguesa é muito complicada, quando cheguei aqui não falava nada, agora estou no mais ou menos”, conta o ganês, que já está no Brasil há quatro anos.
Seis pessoas, seis histórias diferentes, porém, o que todas elas têm em comum é o fato de serem imigrantes, aqueles que se deslocam de um um país para outro, motivados por diversas razões, seja para pedir refúgio ou em busca de melhores condições de vida. Nos últimos anos, o Brasil tem sido um dos destinos de vários imigrantes que procuram no país oportunidades que muitas vezes não encontram na sua terra natal, como estudo e trabalho.
Dentre as cidades brasileiras que recebem e os acolhem está Tubarão que, de acordo com um dado divulgado pela Polícia Federal, nos anos de 2014 e 2015 contava com aproximadamente 100 imigrantes em seu território. Foi nesse contexto que surgiram alguns programas de apoio aos recém-chegados, como o Acolhida ao Imigrante, criado em 2014 pelo curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Segundo a coordenadora do curso, Carla Borba, o projeto surgiu a partir da observação da presença de uma imigração africana na universidade. “A gente começou a perceber que depois que a aula terminava, quem vinha limpar a sala eram pessoas de outro país. E pela própria formação do curso, que é na área humanitária, interessamo-nos em saber quem eram essas pessoas e de que forma a gente poderia intervir na realidade delas positivamente”, recorda a coordenadora.
A partir daí, o trabalho que começou como uma proposta pequena foi crescendo, ganhando a participação de outros cursos e acabou se tornando um projeto institucional da universidade. Hoje, o Acolhida ao Imigrante atende cerca de 50 pessoas de várias nacionalidades, e tem por objetivo auxiliar a inserção deste grupo na comunidade tubaronense. “O foco do Acolhida é aproximar essas pessoas, que possuem direitos à saúde, educação, o próprio aprendizado da língua portuguesa, conquistar seu espaço de trabalho etc,.”, ressalta Carla.
Com aulas de português, informática, e um núcleo de apoio ao imigrante dentro da universidade, o projeto faz o papel de intermediário entre eles e a sociedade brasileira, e uma das responsáveis por essa mediação é a acadêmica da 4ª fase do curso de Relações Internacionais, Arielle Medeiros, que trabalha como extensionista do projeto. “Fico responsável pela parte de assessoria, elaboração de currículo, contato com empresas, campanhas para arrecadação de alimentos, roupas, toda essa gama de conexão e integração”, conta a aluna.
Assim como Arielle, estudantes de outros cursos da universidade também participam e ajudam os acolhidos do projeto. É o caso de Susan Schwartz, professora de português do Acolhida, e que, apesar de ser formada em Direito, esforça-se para ensinar o nosso idioma às pessoas de outros países. “Ensino o básico, é só para eles conseguirem se comunicar. Mas muitas vezes eu acabo tendo que estudar um pouco para poder ensinar para eles”, afirma a professora.
Outro programa que atua como auxiliador aos imigrantes na comunidade tubaronense é a Cáritas Diocesana. A entidade integra a Caritas Internacional, uma confederação de 162 organizações humanitárias da Igreja Católica que está presente em mais de 200 países. Em Tubarão, o projeto foi criado em 2013 com o objetivo de dar assistência e abrigo aos haitianos que começaram a aparecer na região. Hoje, a Cáritas possui duas casas e uma kitnet que servem de moradia temporária para 15 migrantes, que contam com o apoio de voluntários do projeto e da comunidade.
Segundo a presidente da Cáritas Diocesana de Tubarão, Daizi Volpato, o acolhimento aos desemparados é uma linha de ação que guia o projeto. “Consideramos os imigrantes os mais vulneráveis da sociedade porque eles vêm de uma terra em que tudo é difícil. Vêm sempre em busca de trabalho, para mandar o que recebem para lá, para o sustento da família. Então, se a gente for olhar para eles, conversar, é sempre uma vida muito difícil e a gente acaba sofrendo junto”, lamenta.
Brasil, um refúgio
Desde de 2011, a Síria passa por uma guerra civil que afetou 24 milhões de pessoas só nos primeiros cinco anos, obrigando maior parte de sua população a deixar o país. Como é o caso de Ayham Thaljeh, ex-morador de Damasco, capital da Síria, e que com o início da guerra perdeu tudo o que tinha, sua casa, seu carro e seu restaurante. Sem opções de vida no próprio país, Ayham se mudou para a Jordânia com sua família, após viver cinco anos lá, uma nova oportunidade apareceu. “Conheci um homem árabe, morador do Brasil há 45 anos, e ele me disse que inaugurou um restaurante árabe no Brasil e quer se juntar a mim neste trabalho”, conta. Hoje, Ayham mora com a sua família em Tubarão, onde trabalha em um restaurante árabe e é um dos integrantes do Projeto Acolhida. Para o imigrante, viver no Brasil está sendo uma bela experiência e a ajuda que está recebendo dos amigos e professores daqui é essencial para que ele e sua família superem as dificuldades. Apesar disso, o sírio diz sentir muita falta de seu país de origem e dos familiares que deixou. “O que eu quero fazer é voltar para a pátria querida quando a crise acabar, se Deus quiser”, afirma. Como Ayham, muitos outros estrangeiros que vieram buscar aqui um lugar seguro, estabeleceram-se e construíram uma nova vida no país.
Fawzi El-Mashni é palestino e chegou ao Brasil em 1960, aos 21 anos, com sua esposa e duas filhas. Quando chegou ao país, Fawzi se surpreendeu com as belas paisagens brasileiras e com as diferenças climáticas do território tropical. “No meu país de origem, a nossa área era mais árida, especialmente no verão. Encontrei aqui um paraíso terrestre, com uma natureza exuberante”, recorda. Porém, não foram as belezas naturais que motivaram o palestino a se mudar para o Brasil. Segundo Fawzi, na década de 1960, a Palestina pertencia a um governo monárquico do qual ele era contra. “Eu era um elemento do movimento de liberdade e fazia parte de um partido chamado Ressurreição do Mundo Árabe, que tinha três pilares, unidade do mundo árabe, liberdade do mundo árabe e socialismo (justiça social)”, explica. Depois de ter sido um preso político por um ano, Fawzi decidiu deixar a Palestina e vir para o Brasil trabalhar no comércio dos parentes que já viviam aqui.
Após morar um tempo em São Paulo e Porto Alegre, mudou-se para Tubarão em 1961, e abriu uma das primeiras lojas comerciais da cidade. Sua contribuição para a comunidade tubaronense não parou por aí. Formado no primeiro curso de Economia da Unisul e pós-graduado em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas, Fawzi foi um dos responsáveis por criar e aplicar o primeiro vestibular unificado da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe).
Mesmo tendo feito uma grande carreira e contribuído de diversas formas no meio educacional brasileiro, ele não esqueceu suas raízes. Em 1990, o palestino voltou a lutar pelas causas de sua pátria quando foi nomeado embaixador da Palestina no México, onde permaneceu por 15 anos até retornar para o Brasil. “No discurso da minha despedida, o governo mexicano disse ‘Fawzi não é apenas um nome, é uma instituição”, conta, emocionado e orgulhoso o ex-embaixador palestino.
Um muro que nos separa
Além de todos os desafios e dificuldades que imigrantes e refugiados passam em seu país de origem e em toda transição de uma nação para outra, lidando com barreiras linguísticas, diferenças culturais, dificuldades financeiras, e até mesmo com a dor da saudade de ter deixado sua pátria, família e amigos para trás, muitas vezes eles ainda precisam encarar um problema maior, o preconceito. De acordo com dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal, as denúncias de xenofobia no país cresceram 633% em 2015, mesmo ano em que foi maior a entrada de imigrantes e refugiados no Brasil.
Para Carla, um movimento importante e que é também visado no projeto Acolhida, é sensibilizar e levar conhecimento à comunidade sobre imigração e refúgio. “Há muito equívoco na divulgação sobre essas questões, tem o medo daquilo que é diferente, as pessoas se perguntam quem é esse imigrante, se ele é refugiado, será que ele fugiu, ou é criminoso, ou tem algum problema. A gente tem que trabalhar com essa questão de que nós não somos menos humanos porque nós não estamos no nosso país de origem”, observa Carla.
A coordenadora ainda ressalta a importância da troca de experiências entre diferentes culturas e como essas pessoas de fora podem agregar à nossa comunidade de diferentes formas. “Eles buscam aqui uma vida com dignidade como nós também buscamos, e mais do que isso, também contribuem com coisas que nós não temos. Muitas vezes eles se submetem a trabalhos duros que a gente não encontra mais no nosso meio um brasileiro que queira fazer, e o imigrante vai topar porque ele precisa se estabelecer aqui” explica.
Italianos, alemães, japoneses, sírios, palestinos, haitianos… no país formado por imigrantes, essa mistura de diferentes nacionalidades é o que caracteriza e dá valor à cultura brasileira. Essa diversidade foi o que construiu e ainda constrói o Brasil, portanto, aceitar a imigração e acolher diferentes povos não é algo novo para nós, já está em nossas origens. “Somos uma comunidade de acolhimento, temos muito o que aprender com esses fluxos imigratórios, com essas pessoas, com esses cidadãos”, finaliza Borba.
* Especial para o Notisul