O anúncio desta sexta-feira, dia 30, do congelamento de R$ 31,3 bilhões no Orçamento da União de 2025 pelo governo Lula, com bloqueios que atingem diretamente áreas essenciais e investimentos estruturais, evidencia as contradições e fragilidades da condução da política econômica do país. O esforço ostensivo para cumprir a meta de déficit zero, que mais parece uma camisa de força imposta pela ortodoxia fiscal, revela um governo acuado entre o compromisso com o equilíbrio das contas públicas e a necessidade premente de estimular o crescimento econômico e preservar políticas sociais.
O congelamento — que inclui R$ 10,6 bilhões bloqueados e R$ 20,7 bilhões contingenciados — é uma medida drástica motivada por fatores que, em grande medida, não dependem exclusivamente da gestão do Executivo, como o aumento de gastos previdenciários, a não compensação da desoneração da folha, a greve dos auditores da Receita Federal e, sobretudo, a política monetária restritiva conduzida pelo Banco Central. A taxa Selic, que alcançou impressionantes 14,75% ao ano, é o maior obstáculo ao crescimento, impondo um ambiente de crédito caro, retração do consumo, desaceleração do PIB e elevação brutal do custo da dívida pública.
Nesse contexto, o ajuste fiscal tem se dado principalmente por cortes e contingenciamentos que penalizam políticas públicas e investimentos estratégicos. Ainda em março, o governo cortou R$ 7,7 bilhões do Bolsa Família — medida justificada sob o argumento de saneamento do programa e combate a fraudes —, ao mesmo tempo em que ampliou em R$ 3 bilhões o Auxílio-Gás. A escolha de cortar uma política social amplamente reconhecida, ainda que parcialmente compensada, gera um sinal preocupante sobre as prioridades da política econômica.
A decisão mais recente, que resultou em um bloqueio linear de quase 25% das despesas discricionárias, atingiu particularmente ministérios como Agricultura, Turismo e Cidades, além de impor um corte de 15% no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Essa redução compromete diretamente a capacidade do Estado de realizar obras e investimentos estruturais imprescindíveis para o desenvolvimento do país. Não por acaso, a estimativa de crescimento do PIB foi reduzida de 3,4% para 2,3% em 2025.
A preservação do orçamento da Educação é um alento, apesar da grave situação das universidades federais, mas a redução de R$ 5,9 bilhões na Saúde — ainda que proporcionalmente menor — compromete a já combalida capacidade do sistema público de saúde em um cenário de inflação de serviços e medicamentos. O corte nas emendas parlamentares (RP7), embora tecnicamente justificável, tende a gerar tensões políticas adicionais, minando a base de apoio do governo no Congresso e dificultando a aprovação de outras pautas essenciais.
Por outro lado, é inevitável reconhecer que o governo se encontra prisioneiro de uma armadilha fiscal: para cumprir a meta de déficit zero — que conta com uma margem de tolerância de R$ 31 bilhões —, desenhada pelo próprio governo antes da posse do presidente Lula, precisa cortar onde há mais flexibilidade, isto é, nas despesas discricionárias. Contudo, ao fazê-lo, mina a capacidade do Estado de induzir crescimento, gerar emprego e melhorar a qualidade de vida da população. O resultado é um círculo vicioso: cortes que inibem o crescimento, que reduz a arrecadação, que força novos cortes.
Não menos grave é o impacto da política monetária adotada pelo Banco Central. Mesmo com a indicação do presidente Lula de Roberto Galípolo para a presidência da instituição, o ciclo de elevação da Selic não foi revertido, após a saída do critica Campos Neto, mantendo-se no maior patamar em quase duas décadas. A justificativa segue sendo o combate à inflação persistente, mas o remédio parece mais nocivo do que a doença: juros elevados encarecem o crédito, retraem o consumo e os investimentos, elevam o custo da dívida pública e sufocam a atividade econômica, sem produzir os efeitos desejados no controle da inflação, que segue resistente.
O aumento adicional do IOF, que elevou ainda mais o custo efetivo do crédito, funcionando na prática como uma Selic próxima a 15,25% ao ano, agrava a recessão induzida pela política monetária. O resultado é um quadro de estagnação, com prejuízos evidentes para o mercado de trabalho, a renda das famílias e a competitividade das empresas brasileiras.
Em síntese, a condução da política econômica brasileira em 2025 expõe uma clara dissociação entre o rigor fiscal e a promoção do desenvolvimento. O governo, ao mesmo tempo em que critica o Banco Central e sua política de juros, não conseguiu alterar de forma significativa a trajetória da política monetária, optando por um ajuste fiscal que penaliza investimentos e políticas sociais fundamentais. Trata-se de uma estratégia arriscada, que pode resultar não apenas no não cumprimento da meta de déficit zero — dado que as projeções ainda indicam possibilidade de déficit entre R$ 50 bilhões e R$ 97 bilhões —, mas também em mais pobreza, desigualdade e perda de dinamismo econômico.
O Brasil precisa urgentemente romper com a lógica do ajuste pelo corte cego, adotando uma estratégia que combine responsabilidade fiscal com políticas de estímulo ao crescimento, à geração de empregos e à redução das desigualdades. Persistir na rota atual é escolher um caminho de mediocridade econômica e injustiça social.