O título pode parecer agressivo, mas prometo que o texto não será. A verdade é que, em certos momentos, a realidade é mais violenta que qualquer manchete.
No Brasil, 29% da população é considerada analfabeta funcional
— ou seja, pessoas que, embora saibam assinar o nome e identificar palavras soltas, são incapazes de compreender plenamente o que leem, de interpretar um texto simples ou de argumentar por escrito com clareza. Essa massa — nada irrelevante — é a que decide eleições. E, pior, é dela que emergem alguns dos nossos representantes. Literalmente.
Não há no Brasil nenhuma restrição para que uma pessoa analfabeta se candidate. Nenhuma. Basta “assinar” o nome — às vezes mal e porcamente — e pronto. Se for brasileiro, estiver com os direitos políticos em dia e tiver a idade mínima para o cargo, está apto. Pode não entender um artigo sequer da Constituição Federal, pode achar que “execução orçamentária” é coisa de banda marcial, mas se tiver carisma ou padrinho político, está valendo. O verniz da democracia está garantido.
Essa permissividade vem da ideia — quase romântica — de que o voto popular tem uma espécie de sabedoria intrínseca. Que o povo, soberano e sensato, saberia distinguir o bom do mau candidato. Que as urnas, como um oráculo cívico, fariam o filtro necessário e evitariam que pessoas altamente desqualificadas alcançassem o poder. Bonito, não? Só que não é assim que funciona.
A triste e dura realidade é que nossa classe política é, via de regra, altamente despreparada. E aqui não falo de preparo técnico apenas, mas de algo mais elementar: o domínio da língua portuguesa. Porque antes de propor leis, é preciso entendê-las. Antes de discursar, é necessário articular. E antes de representar, é fundamental compreender — o que, convenhamos, exige um mínimo de proficiência verbal e escrita.
Aqui mesmo na nossa querida cidade azul, temos exemplos dolorosos. Representantes eleitos que não sabem escrever ou falar uma frase completa sem cometer erros básicos com a nossa vilipendiada língua. Quem não lembra do nosso prefeito em exercício em 2024 que em um episódio que beira o surrealismo cômico, se manifestando sobre um show de humor e dizendo em alto e bom som: “Feiquiniuze”. Sim, o homem tentou dizer fake news. Mas, como não domina nem o português, resolveu arriscar no inglês. Deu no que deu.
Esse episódio poderia ser apenas folclórico, uma daquelas anedotas políticas que circulam em grupo de WhatsApp. Mas não é. Ele é sintomático. Revela um padrão. Uma elite política que reflete a base de uma população mal instruída, desinformada e, muitas vezes, manipulada.
É o ciclo vicioso da mediocridade: quem mal sabe escrever, mal sabe governar — e quem mal sabe votar, mal sabe cobrar.
Não se trata aqui de zombar dos que não tiveram acesso à educação. Isso seria desumano. Ao contrário: o que se propõe é proteger o povo da ignorância institucionalizada. Porque governar exige leitura, interpretação, escrita, análise crítica. Requer compreensão de relatórios técnicos, orçamentos públicos, leis complexas, demandas sociais. E tudo isso começa — adivinhe — com saber ler e escrever bem.
Hoje, um gari, um auxiliar de serviços gerais, um agente comunitário de saúde precisa demonstrar domínio da língua portuguesa em concursos públicos. Mas um vereador, deputado ou prefeito, não. Pode tropeçar na conjugação verbal, pode se embananar nos conectivos, pode transformar o Diário Oficial em um campo minado gramatical. Tudo isso sem que a lei lhe exija qualquer qualificação linguística mínima.
Por que isso acontece? Porque há uma resistência à ideia de exigir proficiência para se candidatar. Alega-se que isso seria “antidemocrático”, “excludente”, “elitista”. Curioso. Quando se trata de concurso público, ninguém vê problema em exigir conhecimento. Mas quando se trata de quem irá comandar o serviço público, governar cidades, legislar sobre vidas, aí tudo bem ser ignorante. É o populismo gramatical em ação.
Mas democracia sem critério é como futebol sem juiz: pode até entreter, mas não funciona. Não seria absurdo exigir, por exemplo, uma avaliação básica de proficiência em língua portuguesa para quem quer se candidatar a cargos eletivos. Nada mirabolante. Algo nos moldes da prova aplicada pelo Enem, com interpretação de textos simples e redação básica. Uma forma de garantir que quem se propõe a legislar tenha, ao menos, a capacidade de compreender o que assina.
E antes que se diga que isso é coisa de tecnocrata, vale lembrar: um cidadão mal instruído não é culpado por sua condição — mas um político analfabeto é responsável por perpetuá-la. Quando o representante não entende as palavras que profere, não há chance de avanço. A educação pública continuará ruim, os discursos seguirão vazios e o povo seguirá sendo feito de palhaço. Um circo triste, sem aplauso e com trapalhadas de gosto duvidoso.
O que está em jogo aqui não é a escolaridade formal, mas a capacidade funcional de exercer um mandato com responsabilidade. Um mínimo de clareza, lógica, compreensão e expressão. É o básico. O beabá da República. Não se trata de exclusão, mas de elevação. De exigir mais — para dar mais.
Porque quando o povo é mal instruído, vota sem critério. E quando o voto é desinformado, a eleição se torna um bingo cívico.
A cada dois anos, sorteamos representantes que muitas vezes nos envergonham — na fala, na escrita e, não raro, na conduta.
Como mudar isso? A resposta começa na educação, mas passa pela coragem de fazer perguntas incômodas. Como esta: por que aceitamos que pessoas incapazes de redigir um texto liderem orçamentos de bilhões?
Se quisermos um Brasil sério, precisamos tratar com seriedade o que hoje tratamos com folclore. “Feiquiniuze” não é apenas um meme. É um retrato — triste e real — de onde fomos parar. E um alerta urgente sobre para onde estamos indo.